Sobre desapego e coragem - Jornal Fato
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Sobre desapego e coragem

Acontece que sou o tipo de pessoa que não se importa com as mudanças


Nunca fui uma pessoa medrosa e sempre me orgulhei disso. Não tenho muito apego a coisas materiais, não gosto da casa abarrotada de objetos desnecessários que só acumulam poeira e muito menos da energia ruim de algo que já tenha se quebrado. Se não tem conserto e nem utilidade, para alguém há de servir. Não faz sentido para mim acumular pilhas de copos de acrílicos de alguma festa que eu já fui se não me servem. Não há necessidade de me enviar convites caros ou lembrancinhas de papel. A não ser que o valor sentimental dessas coisas seja imenso eu, decididamente, não guardo. Espaços livres são sempre melhores que os lotados de inutilidades. Obviamente que não sou uma louca desalmada que joga tudo fora e faz as refeições sentada no chão. Reconheço que algumas coisas tem o seu valor e aprecio um certo conforto. Mas, para mim, esse conforto vem associado diretamente a uma vida mais leve.

Bem, comecei falando de coragem e desapego e quase fujo do assunto. Acontece que sou o tipo de pessoa que não se importa com as mudanças. Corto o cabelo na boa, sem pena. Troco a cor, radicalizo e posso até me arrepender. Cabelo cresce de novo. E até prefiro que não seja tão grande. Um cabelão só tem minha admiração quando é realmente lindo, geralmente quando pertencem a pessoas que investem bastante tempo em cuidar. Ah! Tempo para cuidar dos cabelos! Quem dera eu tivesse esse artigo valioso!

Roupas que não cabem mais ou deixaram de ter minha identidade também seguem seu caminho. Peças paradas sem uso presente ou previsão de uso futuro bloqueiam a energia e acabam sendo, porque não, um pouco de egoísmo. Há muita gente por aí precisando. Se estiverem ainda novas você pode fazer um brechó. Ou doar para que você tenha certeza que vai fazer bom proveito. Deixo voar também aqueles livros que nunca mais vou ler. Compartilhar o conhecimento antes que as traças o devorem.

Recomeço e me renovo quantas vezes for necessário. Um novo lar, um novo curso, um novo desafio, um novo trabalho. Nada disso me apavora. No entanto, quando me acho a rainha da cocada, ouço a história de uma mulher que foi adotar um bebê e, com pena de seus irmãos, adotou três crianças. Sua vida, antes só com o marido, ganhou mais três personagens assim, como em um passe de mágica, em um ato de amor, caridade e imensa coragem.

E nessa onda de vencer apegos, medos e desafios, minha filha fez um voo solo e foi parar em Nova Iorque. Não é um intercâmbio com uma família lá para cuidar dela. Não levou na mala amigos, mãe ou contatos de conhecidos. Foi realizar um sonho com a cara, a coragem, minhas orações e meu amor. Está feliz, mais forte, mais segura e orgulhosa. Aliás, orgulhosos dela estamos todos. Não é parado no mesmo lugar e fazendo as mesmas coisas que chegaremos a lugares diferentes. E ela, ainda bem, aprendeu com êxito essa lição.


Paula Garruth Colunista

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