Segunda Instância - Jornal Fato
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Segunda Instância

A condenação em segundo grau significa que juiz e desembargadores (no plural) entenderam


Quando, em determinada época, o intérprete da lei - juiz - se fixa em demasia no sentido textual dela, e não no seu espírito, pode ter certeza - os tempos são ruins e tendem a piorar, se a coisa não for invertida logo. Exato o que acontece no Brasil de hoje, mais propriamente no alto escalão jurídico, Brasília. Não se focar na realidade dos fatos faz com que a mera "obediência" ao texto formal da lei mate a realidade.

Especificamente no caso brasileiro dos dias de hoje, discute-se se é o trânsito em julgado da ação quem define a aplicação da condenação do criminoso. É o trânsito em julgado, sim, o que define, mas quando se dá esse trânsito em julgado? No caso dos fatos apurados no processo, o trânsito em julgado se dá em segundo grau, aliás, como ocorre nas grandes democracias dos povos avançados do mundo. A partir do segundo grau, discute-se, apenas, quinquilharias, ou, para ser jurídico, detalhes que envolvem o crime já reconhecido por um juiz e por um conjunto de desembargadores.

A condenação em segundo grau significa que juiz e desembargadores (no plural) entenderam, sem dúvida, que o criminoso é... criminoso. A partir daí, não se discute mais crime, só o que vem em volta dele, incapaz de alterar a condenação do criminoso.

O fato da prisão em definitivo em segundo grau (em alguns países é, já no primeiro grau) é formula normal e inteligente para barrar as pretensões dos que tem dinheiro, principalmente dos que têm dinheiro roubado do povo. Essa interpretação tem fundamento bíblico. E antes de chegar à Bíblia, vamos nos lembrar do grande Ruy Barbosa - na "Oração aos Moços: - "... justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta... juízes tardinheiros são culpados, que a lassidão comum vai tolerando".

Leitor da Bíblia, busco nela frases que permitam arrazoar ou contra-arrazoar decisões tomadas hoje (ou não tomadas). No caso do rico Lula, vi isso ao interpretarem a Constituição, no que diz respeito ao trânsito em julgado das decisões judiciais, apenas quando chegar ao STF, em tese o último bastião. Não é! O STF tem voz ativa e final quanto ao crime ou atitude de fato concreto, mas não tem quando se quer discutir só firulas processuais. O STF não discute fatos, que se transformam em incontroversos em segundo grau. Não sobra ao STF discuti-lo, vez que a matéria de fato do crime já foi julgado definitivamente na segunda instância. Não fosse, basta ter dinheiro para nunca ir à cadeia, como tantos no Brasil, como o político paulista Paulo Maluf, próximo dos 100 anos e, parece, se encaminha com o político pernanbupaulista Lula.

Está na Bíblia - coincidência terrestre ou experiência divina? - (ECLESIASTES, 8 -11):

- "Por que as pessoas cometem crimes com tanta facilidade?"

- "É porque os criminosos não são castigados logo".

Carlos Maximiliano, dos mais eminentes juristas do Brasil, ministro do STF, no seu "Hermenêutica e Aplicação do Direito" - quase um século de publicação - pensa biblicamente e adverte:  - "Em tempos de anarquia, magistrados impolutos decidem, de preferência, pela autoridade; tranquilizados os espíritos, homens de igual inteireza de caráter interpretam os mesmos textos no sentido da liberdade".

Não creio estejamos vivendo momento da vida pública de tranquilidade. Ao contrário, vivemos em tempos de rescaldo da anarquia, em que ladrões da coisa pública - centenas - parece (tomara) deram trégua ao roubo, para poderem se defender. Que se defendam, mas, enquanto isso, Cadeia neles, e em segundo grau, já.

 

MENINOS, EU LI

O "Correio Braziliense", todos sabemos, é um jornal dos antigos Diários Associados, publicado em Brasília (bom jornal, reconheça-se) e também é o primeiro jornal brasileiro independente, curiosamente publicado em Londres, e a partir de 1808. Surpresa para mim, na verdade o "Correio" não foi jornal como os dos tempos presentes. Foi, sim, fascículos mensais, com 70 ou 80 páginas, que permitiam encadernação futura, aliás, como se fez em edição em fac-símile, de 30 volumes, publicada pela Imprensa Oficial de São Paulo.

O objetivo deste "Meninos eu Li" é trazer textos lidos por mim, os quais achei interessantes e foram objeto do meu marca-texto amarelo. E é da pag. 120 do antigo "Correio", de julho de 1808, portanto o número 2 do jornal, que retiro o seguinte texto, bastante atual, apesar de seus quase duzentos anos:

"Quando os indivíduos de uma nação cometem impunemente os crimes, ou violam as leis da decência, e do pudor, sem que a voz pública os condenem à infâmia, então essa nação pode chamar-se corrompida, e as ações do indivíduo infamam o total da sociedade. Não é porém assim quando o criminoso é exposto à infâmia, e o devasso censurado pelos homens bons".

O texto também serve para explicar o que é um clássico. Clássico é tudo aquilo que transcende ao seu tempo e cabe em qualquer outro. Que pode ser lido décadas depois de escrito e é capaz de emocionar, ainda. Daí porque Hipólito José da Costa e o velho "Correio Brasiliense" são clássicos dos clássicos da literatura jornalística brasileira. Meninos, eu li.

(Esse texto, atualíssimo, como se vê. Foi publicado na minha Conexão Mansur nº 001, de 09 de agosto de 2004, mais de 15 anos passados - e já estou na Conexão de nº 581. Impressionou-me a sua atualidade. Depois de 211 anos de publicado no Correio Braziliense, o texto de Hipólito José da Costa é absolutamente atual, o que demonstra que temos aprendido muito pouco em matéria de coisa pública).

 

Aprendendo com Palocci

Corria o ano de 1998. Eu estava em um shopping de Belo Horizonte, 2º andar, Livraria Siciliano. Fora fazer audiência no Forum da capital mineira. E no 2º andar tinha olhos fixos num livro - "A Reforma do Estado e os Municípios - A experiência de Ribeirão Preto", de Antônio Palocci, que acabara de cumprir mandato de Prefeito na cidade paulista. O livro me chamara a atenção pelo fato de Palocci ter feito bom governo municipal em Ribeirão Preto (1993/1996). Era a história de seu governo, contada por ele.

Como estava sem dinheiro, embora o livro me interessasse demais, refutava a hipótese de comprá-lo, até que a minha então sócia de Escritório de Advocacia, Dra. Luciana Morete me chama ao celular, dizendo que um cliente nos pagara honorários por uma ação ganha - comprei o livro na hora; tenho-o comigo até hoje. Digo até hoje, vez que na semana que vem esse livro estará nas prateleiras da Biblioteca da Câmara Municipal, "Biblioteca Prof. Deusdedit Baptista", para ser lido e consultado por quem passar por lá.

Alguém perguntará - "Ler livro do Palloci, que está pagando pena por corrupção?" - "Sim, isso mesmo, naquele tempo, ao que se sabe, ele não era corrupto e fez excelente governo". Foi lendo esse livro, aliás, que eu, então Secretário de Cultura e Turismo do Prefeito Ferraço, copiei projeto cultural de Palocci, que denominamos "Bonde da Cultura". Em 20 meses, 20.000 estudantes - um pouco menos? - visitaram pontos turísticos e culturais de Cachoeiro.

Sobrou pra mim outra lição: - não importa quem diz, e sim o que diz. Na próxima semana volto falando de outro livro dito maldito - do ex-deputado Roberto Jefferson, "Nervos de Aço" - sensacional. Sem ele não haveria Lava Jato, não haveria nada para derrubar a corrupção que grassa no Brasil nas últimas duas décadas. Às vezes aprende-se com o ruim e não se aprende com o bom. Será que este último é bom mesmo?

 


Higner Mansur Advogado, guardião da cultura cachoeirense e, atamente, vereador

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