Quem ama cuida - Jornal Fato
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Quem ama cuida


- Foto Divulgação

Desde o início da quarentena no Brasil tem sido difícil escrever. Óbvio que o maior motivo disso é que ter tolhida a liberdade não é poesia, ficar confinado, ainda que no conforto do seu lar, não é legal e a falta de autonomia para se fazer o que gosta abala o humor de qualquer um. Mas a vida segue e algumas adaptações, indagações e reflexões são necessárias.

Nesses dias de incertezas nunca uma frase clichê fez tanto sentido como agora: "quem ama, cuida". Porque o cuidado não é individual. Por mais recluso que estivermos há sempre alguém por perto, há uma ida ao banco (um risco, diga-se de passagem), uma passada no mercado, uma correspondência que chega e alguém sem máscara no meio do caminho. Mas a dificuldade de pensar no outro tem sido tão difícil para alguns que até crianças não são poupadas de pais que não entendem ou, por comodidade, fingem não entender os riscos. No trigésimo dia do confinamento fiz uma entrega para minha amiga Ju Monteiro e foi muito, muito difícil para nós duas não nos abraçarmos. Choramos pelo abraço não dado e, possivelmente, por outros acumulados desses tempos difíceis. Minha mãe tá com Chikungunya e o zelo precisa ser de longe, sem toque ou proximidade. A irmã da minha vizinha de prédio morreu, vítima da covid-19. Foi quando a estatística passou a ter nome e sobrenome. Sem velório, enterro ou a chance de se despedir, meus pêsames conseguem chegar apenas pelo interfone. Minhas experiências são, com certeza, muito mais leves do que as de outras pessoas que se espremem em filas gigantescas tentando se salvar da fome e do desemprego ou daqueles que nada podem fazer diante da morte. Mas, o que eu quero dizer, é que por amor ao outro, tomamos cuidado. Por respeito a quem cumpre o isolamento, pelos mais velhos, pelos que estão começando a vida.

Você que acha que pode sim estar aglomerado, sem máscara, curtindo a vida em festas, reuniões de coleguinhas e passeios em turma porque "merece", porque está cansado, estressado, trabalhando demais, ocioso demais, com problemas demais ou com saudade demais, senta aí que vou te contar um segredo: merecemos todos. TODOS. Achar que todo mundo tem que ficar em casa enquanto você desfruta de tudo o que não deveria é, no mínimo, egoísta. Tá todo mundo no limite. Tem gente que perdeu o emprego, a saúde física, a saúde mental, o casamento, o juízo, a vida. Enquanto você diz que foi porque estava precisando, tem uma galera em situação infinitamente pior que a sua aguentando firme. Então, se não por você, pelas pessoas que você ama. Se é que ama alguém.

Necessário é quem precisa trabalhar, comprar comida, remédio, ir ao hospital, cuidar de alguém. Tá todo mundo querendo ir onde gosta. Tá todo mundo precisando. Quem é de igreja quer ir para a igreja. Quem é de boteco quer ir ao boteco. Quero viajar, dar um mergulho no mar, abraçar meus amigos e minha família, consolar de alguma forma quem perdeu um ente querido. Queria comemorar meu aniversário com um monte de gente, passar o dia das mães em um grande churrasco com todo mundo reunido, caminhar ao ar livre sem máscara. Queria. Quero. Mereço. Tô precisando. Mas não vou. Sabe por que? Porque quem ama cuida.


Paula Garruth Colunista

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