Praça Vermelha - Jornal Fato
Artigos

Praça Vermelha

Vou fazer uma reflexão sobre o urbanismo, a cultura e a história de nossa cidade


Vou fazer uma reflexão sobre o urbanismo, a cultura e a história de nossa cidade.

Sobre Cultura e História, vou me referir à Festa da Praça Vermelha, que ocorre sempre na Festa de Cachoeiro, todo final de junho, há mais de 30 anos.

Apesar do nome, é a festa mais democrática que conheço, por aqui. Ali se homenageia gente de esquerda - afinal a Praça é vermelha - e gente de direita e... até gente de centro, basta que o homenageado tenham moral pública ilibada, no julgamento dos festeiros. Interessa o caráter, nem sempre a opinião política.

Duvido que, por exemplo, Nelson Sylvan não seria muito bem homenageado, ali, se vivo fosse. E ele foi integralista, aliás, o segundo a assinar o livro do Partido Integralista em Cachoeiro, o livro dos "galinhas verdes" - brincadeira respeitosa que faço somente para lembrar a História.

Pois bem, História e Cultura de Cachoeiro estão ai - as melhores festas locais são feitas e festejadas com ingredientes daqui. Se repetem sempre, são baratas e, quando bem organizadas, como a deste ano de 2018, transbordam de gente, gente feliz, gente que reencontra gente que não via há décadas.

Pronto, falei de História e falei de Cultura - de Cachoeiro.

Mas onde fica o Urbanismo, senhor cronista?

Muito fácil demonstrar - fácil e simples.

Se Francisco Abrão, construtor e proprietário do Edifício Broadway, no centro da cidade, não tivesse determinado um grande e importante afastamento entre o antigo leito da ferrovia e sua construção, duvido que ali coubesse 20% do público que lotou a Praça no dia da festa da... Praça.

E se um empreendedor dos tempos modernos tivesse utilizado os terrenos entre o Edifício Broadway, a Ponte Ferroviária e o Rio Itapemirim, da forma como, inconstitucionalmente, é utilizada fora dali, hoje ninguém poderia comemorar nossa cultura e nossa história... na Praça Vermelha. Não haverias Praça.

Espero que todos nós tenhamos alcance para entender isso e não ser engolido por aquela piada infame, de que construir em cima do Rio é bom, de que fazer ruas estreitas é legal, de que os prédios não terem bom afastamento frontal é bom para Cachoeiro.

Pensem nisso sempre, e pensem especialmente agora que o Executivo mandou à Câmara um arremedo inconstitucional de reforma do Plano Diretor Municipal.

Mas isso é assunto para muitas ações, por isso, só por isso, paro por aqui.

 

Professor Deusdedit

Li há algum tempo, uma ata de reunião da Câmara Municipal de Cachoeiro, quando era Vereador o meu estimado mestre Professor Deusdedit Baptista, uma daqueles que me colocaram nos trilhos da política cachoeirense e no qual procuro me inspirar em minha atividade público/política, nesses tantos anos passados.

Não consegui, ainda, reencontrar a ata, em papel, por mais que procure, de forma que relato o que dela consta, apenas com o que ficou definitivamente gravado em minha memória.

Estava na Câmara daquele tempo projeto de resolução que homenageava o sindicalista Batistinha, irmão do Professor Deusdedit. Por que ele - Batistinha - era comunista, a princípio houve alguma resistência por parte dos demais vereadores, no sentido de homenageá-lo. Com a esperteza dos comunistas, e como era merecida a homenagem, um a um foram se dobrando os demais vereadores cachoeirenses, todos anticomunistas.

O projeto de resolução foi, então, aprovado por unanimidade dos Vereadores? É a pergunta que estará certamente fazendo meus ilustres leitores e leitoras.

E eu me apresso a dizer - claro que não. Absteve-se, na ocasião, e só ele, o Professor Vereador Deusdedit Baptista, sob a alegação de que sendo parente do homenageado, não seria dado a ele o direito de votar a favor, ainda que crendo na validade e justeza da homenagem.

É em homens e mulheres dessa estirpe que deveríamos votar sempre - naqueles que são verdadeiros representantes do eleitorado - daí que a homenagem mais justa, se for a parente, que seja feita pelos demais vereadores, e não por ele, irmão.

Um dia ainda acho essa ata da reunião da câmara cachoeirenses, dos idos da década de 1950, para colocá-la aqui neste espaço, na íntegra e na forma com que foi registrada.

Fazendo o registro, fica também a homenagem ao Professor Deusdedit Baptista, àquele em que não pude votar pela razão simples de que quando vim para Cachoeiro ele não mais se candidatou.

Quando vejo alguns poucos desembargadores e ministros de tribunais superiores votando a favor de autoridades que os comandaram durante anos e há algum tempo, sempre me lembro da seriedade do Professor Deusdedit Baptista, meu mestre, meu guia, meu amigo.

 

O Contador de Orelhas

Quando fui funcionário do INPS (era setembro de 1967), trabalhava na Rua 25 de março, no edifício Rage Miguel, onde termina a Praça Jerônimo Monteiro. De vez em quando ia ao Sindicato dos Ferroviários, que era onde ficava a agência do Instituto.

Naquele tempo, quem nos recebia no portão principal do Sindicato, que dava para uma pequena escadaria, era um segurado, sempre de roupa branca, cuja única função, sei lá o porquê, era fazer a contagem e recontagem de quantas orelhas penetravam na agência.

Trabalho simples, pois não era preciso separar orelhas brancas de negras ou amarelas, e nem era necessário fazer distinção entre orelhas coladas ao corpo e orelhas de abano. Certo que tinha um complicador: como cada pessoa possui duas orelhas (embora falte cérebros a alguns), o cidadão, que fazia as vezes de apontador, era obrigado a fazer dois registros - ambos por extenso. O da primeira orelha - cento e nove mil trezentos e dezessete orelhas. O da segunda orelha - cento e nove mil trezentos e dezoito orelhas.

Não sei o que levou o dito cidadão a exercer com tanta eficiência o digno e não remunerado mister de contar as orelhas entrantes. Também não sei de alguém que houvesse reclamado sobre algum erro dele, mínimo que fosse. Erro que viesse prejudicar a enormidade de segurados que, já naquele tempo, contribuía para a previdência social oficial.

O certo que sei é que naquele tempo, em que o homem ficava postado na entrada do INPS controlando a quantidade de orelhas, é que a previdência funcionava muito bem, obrigado. Depois que ele saiu é que a coisa começou a desandar.

Não sei se uma coisa (a saída do contador de orelhas) tem a ver com outra coisa (a falência da previdência social do governo). Se tiver, é só providenciar a volta do homem que contava as orelhas para o seu lugar: a porta do (hoje) INSS. Se não tiver nenhuma relação, então é porque os homens lá de Brasília são mesmo incompetentes para solucionar os problemas da previdência oficial.

(Texto publicado originalmente em dezembro de 1998, na Folha do Espírito Santo - Como se vê, já naquele ano a Previdência Oficial (INSS) se encaminhava para o buraco - Hoje está pior).

 

 


Higner Mansur Advogado, guardião da cultura cachoeirense e, atamente, vereador

Comentários