Nunca fui poeta - Jornal Fato
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Nunca fui poeta

Uma rua não é rabiscada somente por fiações de postes ou por meios-fios, dentre outras linhas


Foto: Divulgação

Uma rua não é rabiscada somente por fiações de postes ou por meios-fios, dentre outras linhas. Lá no bairro de Todos os Santos, no subúrbio do Rio - onde moramos, um dia, Lima Barreto e eu -, tem a rua José Bonifácio, ao longo da qual, acho desde garoto, também se estende o canto de Ivan Lins em "Vitoriosa".
Vitoriosa que, creio eu, deve ser a dona dessa rua. A nos dar, formosa, "sua risada mais gostosa, sua alegria escandalosa", com "toda sua pouca castidade, sua louca liberdade". Faço fé de que essa dona, uma vez consciente de minha afeição (até então inconsciente) por ela, guarda meus passos, ainda hoje, pelas ruas que ando.


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Já faz alguns domingos que Maria Bethânia tem dado o ar da graça por aqui. (E quem de nós, ingênuos malandros-meninos, ousará contestar o fato de que sua voz é, também, a graça do ar?) É à noitinha que, via rádio, a menina dos olhos de Oyá e de Dona Canô me vem com a canção "Gostoso Demais".
Quando Bethânia sublinha, sublime, o verso "de passear no teu céu", faço de conta que minha mão é um pássaro - será o amor-sabiá, que faz morada em laranjeira? - e brinco de planar por entre a infinitude do céu da pele de minha pétala de bem-querer. Vou contar um segredo: foi só assim que finalmente aprendi a voar.


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Iê!

Para quem me vê cantar / sempre aqui neste lugar, / eu não posso esquecer / de me fazer esclarecer: / traço só rima modesta, / porque nunca fui poeta; / apenas sou um versador / neste mundo enganador. / Aprendi a riscar verso / não em livro submerso. / Meu bom mestre, afinal, / é o meu velho berimbau, / camará!

 

Felipe Bezerra

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