Não solta a minha mão - Jornal Fato
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Não solta a minha mão

Evitei seus olhos muitas vezes


Evitei seus olhos muitas vezes. Evitei todos os dias porque meu sexto sentido me alertava que depois da primeira troca de olhares que demorasse um pouco mais de um segundo tudo o que veio depois já estava escrito, guardado e sacramentado para nós dois. Até que teve um dia que eu estava agitada demais com alguma coisa e você passou de leve a mão no meu cabelo e disse "relaxa". Depois disso você ainda me deu um beijo na testa e uma ficha para eu tomar um chopp com a promessa de que seria um santo remédio para todo aquele barulho dentro de mim. Você não tinha era ideia de que esse tal de santo remédio para mim era você. Sempre foi você, muito antes mesmo de ser. Quando eu peguei na sua mão querendo te levar ao parque foi corrente elétrica. Você se recusou e eu sabia mesmo que não iria, mas continuei insistindo só para não soltar a sua mão. Se nesses tempos obscuros o certo é ninguém soltar a mão de ninguém, o mais certo ainda é que em tempo algum eu soltarei a sua. Fui para o parque sozinha consolada por sua promessa de que logo tomaríamos uma cerveja e ouviríamos Amy, e agora sei que falou isso para me agradar, já que nem gosta muito dela. E embora assim seja, continua ouvindo até hoje porque você tem essa generosidade absurda de fazer as minhas vontades para me ver sorrindo. Chegamos até aqui ouvindo tantas músicas! Como é bom compartilhar tudo com você. Ouvimos coisas minhas e coisas suas ao mesmo tempo que fomos criando as coisas nossas. Ah, meu menino bonito! Colecionamos tantas risadas e histórias. Passamos por tantas coisas juntos e sabemos ainda tanto e tanto que há por vir. E quando eu coloco uma coisa na cabeça você só vai lá e acredita e embarca e não mede esforços para fazer dar certo. Essa trilha sonora que estamos construindo é intercalada por silêncios tão nossos que talvez ninguém mais entenderia. Esse silêncio que não cabe música, frase ou poesia porque é uma coisa inexplicavelmente nossa, que emociona de tão linda e grande e de verdade. Parece até que tem forma e a gente pode tocar, de tão real. E por falar em realidade é estranho para os outros como ela pode ser boa para gente. A rotina do dia-a-dia e a alegria de poder voltar para uma casa que, de tão nossa, é nossa cara, jeito e cheiro. E lá dentro ou fora dela a gente é uma família incrível, dessas que dividem tudo. Tudo mesmo. E conversa, pede opinião, partilha, concorda e discorda também. Mas uma discordância tão cheia de paciência e respeito que mais parece carinho. O caminho que, merecemos que seja longo, merece ser percorrido a quatro pés, por nossos pés. Descalços ou não. Às vezes cansados, às vezes animados, às vezes dançando, mas sempre e sempre e sempre juntinhos. Bendita seja a minha coragem, porque perder o medo de te olhar nos trouxe até aqui. Afortunado foi aquele dia, o beijo que me deu na testa e continua dando todos os dias quando chega em casa e que reforça ainda mais a sensação de pertencimento um do outro. Sorte a minha você não gostar de parque de diversão e eu ter tido a oportunidade de passar mais tempo segurando a sua mão do que, talvez, seria conveniente, mas muito menos do que eu realmente gostaria. Em tempos de líderes insanos e desequilibrados, a paz da sua presença me mantém lúcida. E estarmos do lado certo e, mais que isso, do mesmo lado, me faz feliz.

 


Paula Garruth Colunista

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