Muito além de avô - Jornal Fato
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Muito além de avô

Com o passar dos anos, sentimos melhor as boas coisas da vida


Seis horas da tarde! Acertei os ponteiros do relógio com o horário da igreja. O sino badalava em alto e bom som por seis vezes. Em seguida, tocava uma melodia de uma música clássica que eu não conseguia identificar - fruto da minha ignorância musical. Estava na varanda do apartamento, apreciava o entardecer do dia em Cachoeiro. Observava a Avenida Beira Rio, o volume das águas do Itapemirim e o apagar das imagens do Itabira e o Frade e a Freira - minhas pedras preferidas. Escurecia. Uma lua cheia se anunciava por cima da Ponte de Ferro. Um lindo palco se formava. Gostava do que via. Gosto da cidade em que vivo. Cidade que escolhi para viver e morrer. Diante do que via, pensei em Bernardo, meu neto. Estava há uma semana para revê-lo. Lembrei-me do nosso último encontro. Na última vez que o vi encontrava-me no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Aproximava-se a hora do embarque, retornava para Cachoeiro. O alto falante anunciava o número do voo e o portão de embarque. Bernardo encontrava-se em meus braços, tinha sido assim por todo o fim de semana, pouco tempo longe um do outro, mas aproximava-se o momento da separação. Uma saudade imensa se anunciava. Entreguei Bernardo ao Helomar, meu filho mais velho. Bernardo se recusava a deixar os meus braços, ele esboçava as lágrimas e eu sorria. Uma alegria melancólica tomava conta de mim. Algo que não se explica. Como sorrir no momento de choro do meu neto. Era assim que me sentia, uma mistura tênue de tristeza, alegria, saudade...

Após um ano e três meses de idade, após várias idas e vindas a São Paulo, pela primeira vez, Bernardo manifestava o desejo de permanecer junto a mim. Uma aliança se formava. Uma forma de amor se desenvolvia: fruto da convivência, dos cuidados, da necessidade de se sentir juntos mesmo na distância. Isto me alegrava. Não seria esquecido por ele. Verdade que, na noite anterior, São Paulo apresentava um frio intenso. Passeamos pelo Shopping Center, carreguei Bernardo junto ao meu corpo, trocamos calor ao juntarmos os corpos. Apesar do seu corpo pequeno, sentia seu calor, uma energia diferente me invadia. Equivalia a um cobertor bem grosso. Uma transmissão de energia bem simples, com espontaneidade e naturalmente fraterna. Essencialmente humana. Uma forma de carinho. O princípio do amor. Algo que nos esquecemos de exercitar na correria do dia a dia. Algo que aprendemos ao nos tornarmos avós. Envelhecemos; ficamos lentos. Com o passar dos anos, sentimos melhor as boas coisas da vida. A sensação da troca de calor e energia, já experimentara antes, uma experiência que guardo de tempos atrás, dos primeiros meses de vida do Bernardo. A batida do sino da Igreja interrompe meus pensamentos. Retorno à leitura da poesia de T.S.Eliot. Uma leitura fácil, uma compreensão difícil. A leitura da Terra Devastada se aproxima de uma epifania. Busca um sentido para a vida. Uma leitura apropriada para o instante em que vivia. Eu? Acertei o relógio do meu tempo com as badaladas do sino e retornei o pensamento para Bernardo.

 

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Sergio Damião Médico e cronista

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