Mistério canino - Jornal Fato
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Mistério canino

Há uns quatro anos um cachorro apareceu na rua de casa


Há uns quatro anos um cachorro apareceu na rua de casa. Manso e dengoso, entrou e foi ficando. Não é daqueles que ficam passivamente presos no quintal. Sempre pulou o muro e foi desbravar o mundo. Ficava dias a fio sem aparecer. Nas vezes em que o colocamos na coleira para evitar que fugisse, já que vivia apanhando de outros cachorros e chegava todo estropiado, gritava tanto que causava reclamação dos vizinhos e o jeito era soltá-lo.

Quando minhas filhas estudavam no IFES, um dia não acreditaram quando o encontraram por lá. Ele sempre as acompanhava até o ponto, próximo ao Perim Center.  Mas daí a conseguir chegar, sem erros e sem ser atropelado, até o IFES, era demais.

Quando uma das filhas fazia o curso preparatório para o Enem, não era incomum ele estar no ponto esperando quando ela voltava, por volta das 22h30. Sempre nos impressionamos com essa precisão. Como ele sabia o horário e em que ponto desceria, já que existem duas possibilidades? Isso é um mistério até hoje.

Há quase três anos me mudei do Caiçara para o BNH e o deixei. Para minha surpresa, apareceu por lá e permanece até hoje. O que me impressiona, e muito, é o fato dele "deduzir" e acertar o rumo. As vezes em que saia de carro para o Caiçara para fazer alguma coisa, quando chegava, ele já estava lá esperando no portão de casa. Usava um atalho.

Realmente o Jolie (nome feminino, eu sei) é um mistério que ainda não consegui desvendar. Afável e dengoso que é, conquistou o afeto de um vizinho do BNH, que lhe faz todas as vontades. Ele não come ração de cachorro, comida de panela, só se tiver caldo e uns pedacinhos de carne. De vez em quando ataca a ração e o leite da gata do meu pai. Fora isso, tem o paladar bem exigente.

E se não bastasse, acompanha o meu pai todas as vezes em que vai à igreja. Deita embaixo da caminhonete e fica. Às vezes brinca com as crianças, mas só volta para casa no fim do culto. Em outubro fomos a um casamento no Rio e meu pai deixou o carro no pátio. Ele deitou embaixo. Tentaram tirá-lo de lá. Ele se recusou a sair. Uma vizinha, que o conhece, informou que ele não sairia dali enquanto o dono não aparecesse para tirar a caminhonete. Dito e feito. Meu pai voltou três dias depois, buscou o carro e ele acompanhou alegremente para casa.

Essa caminhonete fica estacionada durante o dia embaixo de umas sombras, ao lado da quadra, próximo de casa. Um dia um pedreiro foi trabalhar por ali e estacionou naquele lugar. O Jolie latiu tanto, por tantas horas, que uma vizinha pediu ao dono do carro que por favor o chegasse para a frente, porque senão o cachorro não ia dar sossego.

A contragosto e sem acreditar, o homem moveu o carro. O cachorro parou de latir imediatamente. Creio que para testar, o homem deu ré e colocou novamente o carro na vaga que meu pai usava. Recomeçou a latição. Inconformado e acho que até furioso por ter que se dobrar aos caprichos de um cachorro, o homem novamente puxou o carro para a frente, saiu de cara feia e retornou ao trabalho.  Jolie se calou e tudo voltou ao normal. Realmente há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia.


Anete Lacerda Jornalista

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