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O amor que você recebe é igual ao amor que você dá


Os cabelos lindos, brancos como a neve, naquele conjunto harmônico e delicado, chamam a minha atenção. A senhorinha elegante e de passos firmes me parece familiar.  Bom sair e ver o mundo e as pessoas, após tanto tempo de isolamento temporário e involuntário.

Avanço, mesmo sem saber, a princípio, quem é, e elogio suas madeixas lindas.  Digo que não vejo a hora de assumir meus fios brancos. Ela se vira, sorri docemente e a reconheço. Uma mulher generosa, a quem a sociedade cachoeirense e o Hospital Infantil devem muito.

Afinal, foram muitos anos de dedicação e serviço. Revejo dona Jandira, muitos anos depois, e percebo a mesma delicadeza e força de sempre. Em tanto tempo sem vê-la, certamente passou por muitas lutas. Mas a doçura permanece ali, aparentemente intacta.

Os cabelos agora completamente brancos não são a única marca de D. Jandira. Ela tem um legado que precisa e merece ser respeitado. Deixou marcas de generosidade e dedicação que serão sempre lembradas. Como ela, outros voluntários em outros hospitais e instituições, que fizeram e fazem diferença. Que abençoam e abençoaram a vida de tantas pessoas.

Em questão de segundos, penso no que tenho feito. Se vou ficar na memória, se acolhi ou abracei alguém em momento de dor e carência, se enxergam em mim força ou fraqueza. Será que alguém vai sentir a minha falta, uma vez que fiz escolhas que me levaram à seletividade, às vezes extrema, e ao recolhimento? Não sei. Mas confesso que fico extremamente preocupada. Quero um legado que remeta à fé e ao cristianismo em que sempre acreditei. Do que se doa. Compartilha. Cuida. Ama incondicionalmente. Tem empatia.

Só sei que seguir no meu tempo me dá conforto e paz. Não vejo necessidade de agradar pessoas que não se importam comigo, embora não acalente sentimentos ruins por elas. Só não podem ser minha bússola. Isto está fora de cogitação faz tempo. Não por arrogância, desprezo ou presunção. É simplesmente pelo que considero sábia decisão de manter a sanidade física e mental. De me alimentar daquilo que me dá forças, e não do que me angustia, querendo agradar a todos. Mas ainda quero deixar um legado. Mesmo sendo imperfeita e falha.

A gente amadurece e aprende. Não há outro caminho. Não há receita pronta. Cada um quebra a cara e aprende do jeito que dá.

Mas quer saber? Quando olho para aqueles cabelos brancos de Dona Jandira, penso que a cada fio que foi clareando, uma nova lição foi aprendida e ensinada. Porque ela sempre foi dessas. Das que ensinam grandes lições a partir dos melhores exemplos. Existe forma melhor de aprender e passar pela vida?

Realmente "a beleza dos jovens é a sua força, e o enfeite dos idosos são os seus cabelos brancos". (Provérbios 20-29). Tantos séculos depois, a Bíblia continua certa. E como cantavam e encantavam os Beatles, "o amor que você recebe é igual ao amor que você dá".


Anete Lacerda Jornalista

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