Estamos na calçada - Jornal Fato
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Estamos na calçada


Amiga especial que se mudou de Cachoeiro para Vitória, por falta de qualidade de vida por aqui, reclama que o centro da cidade está tomado por multidão de ambulantes que se apropriam das calçadas, atrapalhando o comércio já precário e, no limite, traz sérios problemas para nossa segurança, quer individual, quer da cidade.

Ao lado disso, coisa que ninguém vê, pois não é coisa de se pegar com a mão, ou de ver com olhos, nos últimos meses e anos, oportunidades de emprego em Cachoeiro desapareceram, ao menos para os que mais precisam de emprego.

O órgão federal oficial, CAGED, mostra, estatisticamente, a tragédia. Em agosto, diz o órgão que o município teve déficit de 84 empregos com carteira assinada. De janeiro a agosto, foram 384 e nos últimos 12 meses, 1.036 postos de trabalho com carteira de trabalho assinada se perderam. Isso vem sucedendo nos últimos quatro ou cinco anos.

E o fato é constatado no Brasil. Matéria de duas páginas da revista VEJA mostra o problema no Rio de Janeiro, com foto de uma jovem aparentemente saudável, dormindo na calçada suja; das fotos mais deprimentes que já vi - Venezuela é pinto. Na Folha de São Paulo noticia indica milhares de "sem carteira" e sem emprego, estendendo mercadorias baratas na calçada paulista, Tentando ganhar a vida com a honestidade possível, prejudicavam comerciantes e empregados estabelecidos, que também a ganham com semelhante honestidade possível.

Que cidadãos tenham a reação da amiga, é sério (e evidentemente um lado só), é compreensível. Eu mesmo já tive tal visão; achava que bastava tirar desempregados da rua, às vezes com reforço policial, e tudo ficaria consertado. Não é assim. Enfrentar problemas só batendo no mais fraco, só acresce mais desempregados ao universo imenso dos... desempregados e mais desesperados.

Nos mais de 50 anos que estou em Cachoeiro, praticamente nunca vi projeto municipal que começasse com estudo do caso e encaminhamento de propostas de empregabilidade desse pessoal (se alguém falar que a falta do PDM inconstitucional em Cachoeiro é origem disso, já mando ppqp).

Ao que sei, a administração pública atual também não tem se aprofundado nesse estudo de caso e, quando faz, faz com assistencialismo, que "resolve" o problema do dia, não o da vida do pobre e de sua família.

Fruto de atitudes demagógicas, administrações estão sempre a publicar e anunciar que tal empresa que virá trará centenas de empregos (nunca vi administrador, depois de dizer isso, vir a público anunciar que a empresa que se instalou está longe do número anunciado pela Exa., isso quando a empresa se instala realmente).

E para não dizerem que só critico, boa saída, que pode contribuir para minorar o problema, é a administração municipal juntar o pessoal POBRE que ESTÁ TRABALHANDO ou ABANDONADO e espalhado pelas ruas, ainda que irregularmente, e treiná-lo para se regularizar, inclusive dando benefícios compatíveis.

Pena eles serem tão pobres e não possuírem tendas, fontes de iluminação, aparelhagem de som e ar condicionado (oficialmente orçados em R$ 8.500.000,00... dos cofres municipais, segundo o Diário Oficial). Tivessem a parafernália, estariam contratados pelos governos municipais de Cachoeiro dos últimos 14 anos e acabaria o problema posto por minha amiga. Mas não têm, chicote neles.

(O município poderia usar esses tantos milhões para educar para o mercado jovens jogados nas ruas e praças de Cachoeiro e não gastá-los em festas que, aliás, não estão no plano de governo).

 


Dani e seu Artesanato

Essas bonecas artesanais, retratadas aqui, nesta página, são criações de Dani (Daniela) Fiório, artesã cachoeirense. Eu as encontrei numa feirinha artesanal na Praça Jerônimo Monteiro, mais propriamente na pracinha dos taxis, sexta-feira retrasada. De vez enquanto elas e suas amigas e amigos do artesanato estão por ali,

As bonecas se chamam Clarice, a maior; Soninho, as duas menores.

Vejam a história da Dani, contada por ela mesma. Ao fim, vocês entenderão porque entreguei, hoje, parte da página a ela.

"MINHA HISTÓRIA: - Comecei no artesanato meio sem querer. Estava desempregada e os afazeres de casa estavam me consumindo. Sempre fui muito ativa no emprego e ficar ociosa estava me deixando deprimida. Queria algo que pudesse fazer e que me fizesse sentir útil outra vez.
Então, algo dentro de mim me incomodava. Algo me dizia que eu deveria fazer bonecas de pano... achei estranho o desejo; nunca tinha feito qualquer trabalho manual. Sempre apreciei artesanatos de todos os tipos, mas, até então, não tinha dom e nem sabia por onde começar.
Um dia que fui ao centro de Cachoeiro, num rompante, comprei todos os materiais necessários: tecidos, enchimento, linhas, fitas, tintas.

Cheguei em casa toda feliz, com a sacola cheia de esperança. Daí, me dei conta de que não sabia costurar! E agora?!!

Pedi a máquina de costura emprestada para minha mãe e pedi que ela me mostrasse como funcionava. Detalhe - nunca havia sentado frente a uma. Mamãe me ensinou a ligar, desligar, passar a linha. Pronto, agora era comigo!
Peguei uma boneca de minha filha, descosturei ela toda, fiz o molde e comecei  a fazer minhas bonecas. As primeiras eram uns monstrinhos, mas eu fiquei toda satisfeita - afinal estava seguindo um sonho - e foi muita persistência até conseguir acertar. Fiz muitos cursos online e fui me aperfeiçoando, até me sentir segura e colocar minhas bonecas à venda.
Hoje me sinto realizada em saber que fui capaz de correr atrás e realizar o desejo que estava oculto dentro de mim. Não sinto mais aquela espécie de depressão e não me sinto inútil... continuo estudando e me aperfeiçoando.

Para mim é uma alegria enorme quando vendo uma peça e recebo o retorno das minhas clientes dizendo que a criança, ou a avó, ou a amiga adoraram o presente.
Hoje, fazer bonecas de pano faz parte de mim e agradeço a Deus por esse dom maravilhoso que ele me proporcionou".

(A lição que eu, Mansur, ando tirando do artesanato, é que ele é muito mais do que imaginamos ser. É a recuperação do sentido de nossas vidas pessoais, proporcionando à vida dos demais uma alegria pela própria vida. A outra lição, mais prática, e nem por isso menos importante, é que a cidade deve maior atenção aos artesãos locais, centenas deles, alguns e muitos de qualidade incomparável - o texto de Dani Fiorio também foi lido da tribuna da Câmara Municipal de Cachoeiro de Itapemirim).

 


Higner Mansur Advogado, guardião da cultura cachoeirense e, atamente, vereador

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