Escutatória - Jornal Fato
Artigos

Escutatória

Fazendo a leitura bíblica diária de um compilado de textos para o ano todo


- Foto Divulgação

Fazendo a leitura bíblica diária de um compilado de textos para o ano todo, me deparo com um, do dia 12 de novembro, que diz que ouvir é privilégio.

A mente voa e penso no texto de Rubem Alves que diz ter ouvido sobre cursos de oratória, mas nunca de "escutatória", uma vez que todos querem aprender a falar, mas ninguém quer aprender a ouvir, porque escutar seria complicado e sutil.

Alberto Caeiro, um dos mais famosos heterônimos de Fernando Pessoa, também abordou o assunto, e afirmou que ter ouvidos para ouvir não é o bastante, mas que que seria necessário que houvesse silêncio dentro da alma.

Então quando o autor do estudo bíblico diz que ouvir é um privilégio, sou obrigada a concordar com ele, que destaca que quando ouvimos o outro passamos a fazer parte de sua história. Isto porque seria na escuta que aqueles que nos pareciam tímidos, ou arrogantes e distantes, ou seguros, equilibrados e vibrantes podem não ser exatamente o que achávamos quando apenas falávamos e não exercitávamos a arte da "escutatória".

Quando percebemos os outros e damos voz a eles, vamos descobrir que têm sentimentos, choram porque têm dores que não imaginávamos num primeiro olhar, quando nos mantínhamos distantes por causa dos pré-julgamentos e preconceitos. Coisa feia, né? Mas quase todos fazemos isso. Quase todos trilhamos esse caminho de exclusão e conclusões precipitadas.

O autor do estudo enfatiza que precisamos deixar que as ideias sejam anunciadas e as dores manifestas porque é o único jeito de haver verdadeira transformação. Com o simples fato de ouvir, de fazer ecoar a voz que muitas vezes, quem sabe a vida toda, esteve aprisionada na garganta.

"Quando ouvimos as pessoas elas se sentem seguras diante de nós. Não imaginavam falar, mas falam.  Contam segredos que sempre estiveram guardados. Mágoas afloram. Medos aparecem. Projetos são revelados. Desejos são compartilhados."

Então, muita coisa boa acontece quando exercitamos a arte da "escutatória". Sim, porque ouvir é uma arte que poucos querem praticar. É mais fácil falar aos borbotões, mostrar conhecimento e sabedoria que às vezes nem temos, para nos sentir importantes, superiores e aceitos.

Porque muitas vezes a nossa urgência em falar e opinar sobre tudo está diretamente ligada à nossa necessidade de ser ouvidos. Que sigamos o conselho de Alberto Caeiro/Fernando Pessoa e façamos silêncio dentro da alma para ouvirmos onde a palavra não é necessária. Que nos permitamos muitas vezes nos refugiar no lugar onde a quietude da alma e o olhar intenso sejam mais que suficientes.


Anete Lacerda Jornalista

Comentários