E se o amanhã não chegar? - Jornal Fato
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E se o amanhã não chegar?


Gosto muito de fotografar, quase tanto quanto gosto de escrever; mas custei a me render à câmara dos smartphones - sempre tive a opinião de que telefone é para telefonar, então o mais que eu fazia era usar a agenda deles. Ainda hoje, quando viajo, carrego uma ou duas máquinas fotográficas comigo, para quando preciso fotografar algo com maior nitidez ou de utilizar algum recurso a mais. Contudo, no dia a dia, reconheço, o smartphone é imbatível pela sua praticidade. Resultado disso é que as imagens capturadas no cotidiano rapidamente circulam pelas mídias sociais - Facebook, Whatsapp, Instagram - com velocidade inimaginável a até bem pouco tempo atrás.

Eu sou da época em que se utilizavam filmes fotográficos que precisavam ser revelados; e ainda hoje se utiliza esse termo, mas de forma errônea - revelar - para as imagens capturadas em meio digital. O correto seria dizer que as imagens serão impressas, apenas, pois nem fotografias são. Enfim, tínhamos que enviar os filmes para um laboratório e esperar a revelação das fotos para saber se ficaram boas ou não. Havia um laboratório na Zona Franca de Manaus para onde enviávamos os rolos; recebíamos de volta, além das fotos, um mini álbum e outro rolo de filme de mesma marca do que fora enviado. Isso depois de pelo menos quinze dias de espera.

Hoje, como disse, tudo é praticamente instantâneo: apontou, capturou a imagem, ficou boa, salvou e/ou divulgou; ficou ruim, deletou. Perdeu-se o prazer do suspense e a oportunidade de se exercitar a paciência. Ganhou-se em tempo, artigo escasso nos dias de hoje. Se antes havia a limitação da quantidade de fotos em cada rolo - eram no máximo 36 - hoje cabem milhares num cartão de memória, que pode ser utilizado indefinidamente. A fotografia foi banalizada, no sentido de que se tornou algo acessível a todos, de qualquer poder aquisitivo, praticamente.

Hoje, indo para o trabalho, quase parei o carro por duas vezes para tirar algumas fotografias; com o smartphone, claro. Mas fiquei com preguiça - que vergonha, Marcelo! - de parar e sair do veículo. Não era nada demais, ao contrário, eram coisas comuns, um pouco de musgo numa calçada e algumas ervas daninhas floridas junto a um muro velho. Pensei, ah, amanhã passo aqui e tiro as fotos. E segui meu caminho habitual.

Quase no mesmo instante me veio à lembrança o título de uma música americana If Tomorrow Never Comes - E se o Amanhã Nunca Chegar. Há, na verdade, canções de diversos autores com este título. Mas todas elas dizem mais ou menos a mesma coisa: e se amanhã eu não puder fazer o que eu quero, ou, e se eu não estiver aqui amanhã? Tá, eu sei o que você vai dizer: lá vem o célebre não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje. Mas é verdade! Quem disse que amanhã o musgo ainda estará do mesmo jeito que vi hoje? Ou que as flores sobreviverão à chuva que agora cai? Ou, pior ainda, que eu amanhecerei amanhã?


Dayane Hemerly Repórter Jornal Fato

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