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E se fosse comigo?

Conto horrorizada para o meu irmão sobre uma pessoa que se intitula cristã e é a favor das mortes ocorridas em Paraisópolis


Conto horrorizada para o meu irmão sobre uma pessoa que se intitula cristã e é a favor das mortes ocorridas em Paraisópolis. Ele me pede empatia e me aconselha olhar o outro lado. Outro lado? O lado que banaliza as mortes? Não, não. Não quero estar lá ainda que se já como exercício de empatia. A paciência que ele me pede com injustiça, com jovens mortos, com crianças cegas e com "balas perdidas" que só chegam na periferia negra eu não tenho.

Quando raves eram moda e aconteciam por essas bandas daqui, nunca houve batida policial, embora a venda de bebida alcóolica fosse pequena por causa do abuso dos mais diversos tipos de drogas. Em outubro desse ano, após uma dessas mesmas festas, em Guarapari, jovens foram internados após consumo de uma droga nova. Todos de classe média alta. Silêncio. Em uma festa à fantasia em uma área de shows super badalada, também em Guarapari, um jovem morreu depois de ter consumido drogas com os amigos. No Rock in Rio as pessoas usam droga abertamente. Nas praias frequentadas pela classe alta do Rio de Janeiro, idem. Nas festas dos superbacanas cocaína é servida na bandeja de prata, mas ali, em Paraisópolis, baile funk não pode. Pode senhor DJ famosão tocando funk na zona sul, aí sim. Então você pega a hipocrisia desse povo e faz o que? Tem paciência? Paciência com quem deseja a morte de crianças enquanto comunga na igreja, fala mal da vida alheia, trai valores que jura ter e não tem o menor senso de coletividade? Tenho não, meu irmão. Nem quero ter. Nem queria ter o desprazer de conviver. Se me evitar, faz um enorme favor.

As mortes ocorridas em Paraisópolis, a morte de Ágatha Félix, a bala de borracha do PM que cegou um menino de 12 anos, tudo isso precisa parar. Esses eventos merecem repúdio, solidariedade com as famílias e reflexão de como a polícia deve agir sem que mais jovens-negros-pobres sejam vítimas inocentes desse caos de sangue e violência. Só em 2018 foram 6 mil vítimas fatais em intervenções policiais. Onde vamos parar? Esses mortos, pasmem, são em sua maioria homens negros, até aí já sabíamos, mas, mais que isso, estão na faixa etária de 15 a 19 anos. O Rio de Janeiro tem a polícia que mais mata no país, e até agosto desse ano a média registrada foi de 156 mortes por mês. No baile funk da zona sul com com Absolut, Taqueray e cocaína? Não. Na favela com maconha, catuaba e latão de Lokal.

A violência extrema que leva a morte não é só cruel, mas já se provou ineficaz. O discurso das autoridades que estimulam e desoprime a violência policial como forma de ataque ao crime só coloca em risco a vida dos próprios policiais e da população indefesa e desamparada. De todas as violências que podem existir, tirar a vida de uma criança e interromper tudo o que ela podia ter sido figura entre as piores. E as pessoas que aplaudem a morte de inocentes em nome de alguma coisa que eu não faço ideia do que seja precisam rezar mais, procurar um psiquiatra ou simplesmente olhar para seus filhos, netos ou sobrinhos e pensar: e se fosse comigo?


Paula Garruth Colunista

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