Devastação e solidariedade - Jornal Fato
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Devastação e solidariedade

Meus dias e noites têm sido movidos pela inquietação e desconforto


Foto: Thiers Turini

Meus dias e noites têm sido movidos pela inquietação e desconforto. Não por uma crise existencial qualquer, mas pela tristeza de acompanhar de longe a devastação que atingiu Iconha, Alfredo Chaves, Vargem Alta e algumas comunidades de Cachoeiro.

As notícias são de bairros e localidades inteiros devastados. Não sobrou praticamente nada. Conversando com uma moradora de Bom Destino, em Iconha, ela relata que a força da água arrastou móveis, inclusive a geladeira recém comprada, que foi contida por alguns obstáculos no caminho da devastação. E isso não foi fato isolado.

As pessoas não têm onde sentar, deitar, perderam roupas de cama e banho, objetos pessoais, documentos, fotos, memórias. Tudo, enfim. Receberam alimentos, mas no interior, com estradas destruídas, nem sempre as coisas chegam com a urgência necessária. Quem tem frio e fome tem pressa. 

E se existe algo que ninguém doa é roupa íntima. Então, quem conhece donos de confecções de peças íntimas, apelem para que vendam a preços acessíveis e divulguem essa informação. Tenho certeza que muitas pessoas comprariam para doar. E isso não é motivo para piadas. É uma questão de manter o mínimo de dignidade no meio do caos. 

As suposições para a fúria da natureza são abundantes, mas creio que a descrição de uma moradora de Alfredo Chaves, Carla Joana Magnago, foi contundente. (https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=2621867471193753&id=100001115777920). No meio da lama, com o canudo do diploma de Direito da UFES enlameado em mãos, ela provoca sérias reflexões. "...na maior enchente da história do Município, fruto da ganância de empreiteiros que socaram prédios numa cidade de cultura histórica, derrubando casas com séculos de história viva pra subir prédios sem vagas nas garagens... De pecuaristas que comeram as matas pra criar gado. De empresários que só pensam no próprio bolso...Fruto de obras claramente irregulares. Fruto de crimes ambientais de todo tipo que prescrevem! Fruto de construções desenfreadas que atendem a uma parcela muito bem definida de privilegiados locais. Fruto de descaso, de negligência...Fruto da total ausência de contenção e contingência de uma tragédia anunciada...Fruto de alterações climáticas que a ganância provocou. Em poucos anos a natureza que vem sendo pisoteada pelo nosso município levará a nossa cidade do mapa. A natureza cobra".

O desabafo vai além e vale para qualquer cidade em que a especulação imobiliária e a ganância destroem a natureza e nos coloca no olho do furacão e no caminho das intempéries. Como bem disse a Carla, a natureza cobra. Pena que a conta chega para culpados e inocentes, aqueles que perderam fotos e objetos que lembravam suas origens e identidades. Que Deus nos proteja e nos livre dos oportunistas e vigaristas que tentam lucrar com a miséria alheia. E viva a solidariedade do povo capixaba.

 


Anete Lacerda Jornalista

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