Cotidiano: o carro e a vaga - Jornal Fato
Artigos

Cotidiano: o carro e a vaga

A senhora, em seu carro enorme, entra de frente na vaga


A senhora, em seu carro enorme, entra de frente na vaga. As duas vagas, uma de cada lado, estão vazias e ainda assim ela estaciona torto, parando sobre a faixa que delimita a vaga.
A senhora abaixa o vidro de seu carro enorme e coloca a cabeça para fora, conferindo que estacionou sobre a faixa que delimita a vaga. Sobe o vidro, dá ré e estaciona novamente, outra vez sobre a faixa que delimita a vaga. Eu estou de frente para ela, estacionado na vaga diagonal à dela. Ela me olha. Eu evito fazer cara de que estou estarrecido com o fato dela ter estacionado errado pela segunda vez. Parece que tenho sucesso (ou não), pois ela abaixa novamente o vidro e outra vez coloca a cabeça para fora, conferindo que estacionou errado.
A senhora, em seu carro enorme, dá ré até sair totalmente da vaga. Vira o volante de um lado para o outro sem saber para onde o pneu aponta. Entra novamente na vaga e outra vez estaciona sobre a faixa que delimita a vaga. Desta vez não abaixa o vidro. Saí do carro com certa dificuldade por conta da altura do carro e de sua baixa estatura. Olha para os pneus sobre a faixa que delimita a vaga, olha para mim. Eu continuo fazendo cara de cachorro que foi pego fazendo arte. Ela caminha em minha direção e diz, tentando soar casual: tem dia que a gente não acerta nem a vaga.
Essa é minha vida, senhora. Respondo e sorrio meu mais simpático sorriso, cara de cachorro de rua que ganhou um biscoito. Ela sorri, provavelmente se sentindo bem por ter sido compreendida por um estranho na rua.
Fiquei feliz em deixá-la confortável, talvez até mesmo feliz.
Olhei para o enorme carro estacionado sobre a faixa que delimita a vaga. Às vezes eu me sinto essa faixa, carro. O carro me olha com sua frente agressiva. Não troca sorrisos comigo.

 


Leandro Vieira

Comentários