As mortes no meio das mortes - Jornal Fato
Artigos

As mortes no meio das mortes

Em tempo de pandemia a gente sossega o facho em casa e usa máscara e álcool em gel para driblar a morte


Em tempo de pandemia a gente sossega o facho em casa e usa máscara e álcool em gel para driblar a morte. Ninguém quer ser estatística. A não ser os que se acham invencíveis e imunes imortais estamos todos no mesmo barco de querer que o vírus passe bem longe e obrigada por não se lembrar de mim. Passar bem. Estamos todos de saco cheio do isolamento social ao mesmo tempo que lamentamos quem dribla as normas ou justifica as escapulidas pela genética, imunidade ou porque já teve e não pega de novo, contrariando até mesmo a ciência que ainda não consegue explicar tão novo fenômeno. Como tudo no Brasil, tem um monte de doutor no assunto.

Tentando driblar a morte percebemos que ela não dá trégua nem mesmo agora quando tudo já é difícil o bastante. Para nós aqui da capital secreta tem sido dias de coração pesado. Como se não bastassem os números que crescem espantosamente de contaminados e finados, a danada continua levando os nossos que estavam protegidos do vírus por todas essas outras coisas que matam e a gente acaba esquecendo porque o noticiário não deixa lembrar. Poucos dias passados do que seria a festa da cidade perdemos três personagens que eram justamente principais nas comemorações de São Pedro. Sem piedade e nem trégua perdemos Joa, Moema e Mercedão. E não pudemos sequer cumprir ritos que acabam por minimizar um pouco o luto estendido por tantas dores de uma só vez. Nossa luta de tentar achar algo de bom que nos faça crescer em meio ao caos tem sido cada vez mais difícil. Talvez uma prova de química quântica aliviaria. Por mais que tentemos desviar a atenção para um filme ou um livro, para a benção de estarmos vivos ou para o amor de quem no rodeia basta um minuto de distração e ... pimba! Tá ali o choro sufocado por alguém que a gente ainda não teve tempo de chorar porque as mortes contabilizam diariamente a casa dos quatro dígitos. Não seria a hora do ano acabar? É o que me pergunto quando percebo que já estamos em julho. E que ainda estamos em julho. E que a noção do tempo tem sido coisa que ora tenho e ora não tenho mais.

Nunca fez tanto sentido uma lição que aprendemos quando somos crianças: engole o choro. Porque não são números. São pessoas. Mesmo os nossos desconhecidos são conhecidos de alguém. É alguém que ficou órfão. É alguém que ficou só. É alguém que não se despediu. Gente é gente e, por mais que tentem, nunca serão só números. E em algum lugar a dor de outro me dói. E no meio de tantas dores de tanta gente a gente nem sabe o que fazer. E engole o choro porque não há tempo de chorar por tanto.

Dentre tantas coisas que doem nessa vida, a morte ainda é a certeza mais doída. Definitiva. Não é depois da pandemia que vamos tomar um café ou dar aquele abraço atrasado bem apertado de saudade. Não vai ser agora e nem depois. Não vai ser mais. E fim.


Paula Garruth Colunista

Comentários