A mitigação legalizada do direito - Jornal Fato
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A mitigação legalizada do direito

A Lei 8213/1991 dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social


 

A Lei 8213/1991 dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social. Nela estão previstos os benefícios previdenciários, dentre os quais: o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez.

Importante destacar que o auxílio-doença é devido ao segurado incapaz de modo total e temporário. A aposentadoria por invalidez é direito do segurado definitiva e totalmente incapaz.

Poucos sabem, mas o artigo 45 da Lei 8213/1991 prevê que o segurado do INSS, aposentado por invalidez, quando necessita da ajuda de terceiros, tem direito a um adicional de 25% sobre o salário benefício. E mais, esse direito é um poder-dever do perito do INSS quando, no momento da perícia administrativa, verificar que o periciado está incapaz de modo total, definitivo e necessitado da ajuda de terceiro.

O problema é que, via de regra, quando a gravidade da doença é escancarada e negar o direito se torna atestado de incompetência, poucos peritos concedem esse adicional. Ao contrário, atem-se a conceder o direito menor, qual seja: auxílio-doença, pois este gera um valor de benefício inferior (91% da média) e não permite o requerimento do adicional de 25%.

Essa afirmação é um desabafo. Isso porque, enquanto advogada, filha e cidadã, fiquei atônita com o descaso de um perito do INSS quando da análise de minha mãe e do julgamento de um pedido de prorrogação de auxílio-doença ocorrido em julho deste ano. Nesse sentido, registro que, ao agendar uma perícia pelo canal do site "meuinss", não é possível requerer a aposentadoria por invalidez de modo direto. Assim, pede-se o auxílio e o perito é quem vai definir o benefício a ser concedido: auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez com ou sem adicional de 25%.

Desabafo porque levei minha mãe em julho/2019, que dependia do meu apoio para se locomover, para a perícia. Antes de ela adentrar à sala, porque os peritos não aceitam acompanhantes, entrei, pedi licença, e informei ao expert sobre o direito da periciada de se aposentar por invalidez e de receber o adicional de 25%, eis que necessitada da ajuda de terceiros, o que era visível.

Na oportunidade chamei a atenção para os diagnósticos que os laudos e exames médicos, que lhes foram apresentados, revelavam: paciente com câncer de cabeça de pâncreas há um ano, limite da sobrevida nesses casos, com metástase no fígado, com exame de sangue CA.19.9 (marcador tumoral) quase 1000 vezes acima do aceitável, o que poderia representar metástases em outros órgãos... Mostrei esses exames a vários médicos e todos me prepararam para um falecimento próximo, menos o perito do INSS.

Após, saí da sala, deixei minha mãe sentada sozinha com o perito e confiei na legalidade/humanidade do mesmo.

Quando a perícia acabou, entrei na sala para ajudar a segurada a sair, deixei-a sentada numa cadeira fora da sala e entrei para conversar com o médico. Mal comecei a falar e ele respondeu:

- Já enviei o laudo para o sistema e prorroguei o auxílio-doença até o dia 01/02/2020.

 Paralisada, sem palavras, olhei nos olhos do perito e, para que minha mãe não escutasse da outra sala, estarrecida balbuciei:

- Doutor! O médico de minha mãe disse que ela tem poucos meses! Ela não chegará a fevereiro!

O perito, "gentilmente", mas sem a menor consideração e sem respeito ao seu dever de aplicar a lei e de promover justiça, disse-me: "se Deus quiser ela não morre". Em seguida, saiu rapidamente, pois encerrou seu expediente.

Pois é Sr. Perito, ela faleceu menos de 02 meses após sua prorrogação do auxílio-doença até fev./2020. Inegável que deveria ter concedido aposentadoria por invalidez com adicional de 25% sobre o salário benefício. Graças a Deus, para minha mãe nada faltou, nem alimento, nem medicamento, nem amor, mas fico a me perguntar: quantos cidadãos brasileiros têm direitos negados ou os recebem mitigados por causa de profissionais despreparados e/ou insensíveis ao sofrimento alheio.

E pior, fiz um recurso administrativo em seguida, mas descobri que a ÚNICA funcionária que julga os recursos estava afastada por motivo de doença, ou seja, minha mãe faleceu e seu direito jamais será entregue.

A lei existe, mas, infelizmente, muitos do que têm o poder-dever de entregar os direitos são despreparados, desumanos ou têm descaso demais.

Fica o desabafo. Se o Senhor ler esse texto, espero que promova justiça em suas próximas perícias. Financeiramente pouca diferença fez, pois duraria apenas 02 meses, mas poderia deixar a segurada com o sentimento de que foi respeitada, mas esse respeito lhe foi negado.

 

Katiuscia Oliveira de Souza Marins    

 

 


Katiuscia Marins Colunista/Jornal Fato Advogada e professora

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