Desimportâncias - Jornal Fato
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Desimportâncias

Em tempo de água ainda abundante, a impressão é de que tudo vai dar certo


1. O cheiro gostoso da terra molhada, o vento gelado e o barulho da chuva caindo sobre o telhado é reconfortante. Remete às melhores memórias da infância. É essa sensação que busca quando é atropelada pela rotina nem sempre justa e agradável.

O pensamento voa e se vê sentada na beira do rio, vara de pescar à mão e a esperança de uma pescaria farta. Mas para falar a verdade, o resultado nem conta tanto. Importa a sensação de liberdade que a simples contemplação da água seguindo o seu curso proporciona.  Em tempo de água ainda abundante, a impressão é de que tudo vai dar certo e que nada será capaz de impedi-la de desbravar novos caminhos.

Coisa interessante é que uma coisa puxa a outra. Lembra do primeiro passeio de bicicleta no quarteirão, escondida, com o coração aos saltos, se aventurando naquele pequeno universo que sempre percorria acompanhada por algum adulto. Era muita emoção. E coragem, vale ressaltar.

Ou então do balanço de cordas amarrado na árvore frondosa. O pé chegava a alcançar as folhas mais altas e o coração parecia que ia sair pela boca. O frio na barriga, acompanhado de gritos, ora de desespero, ora de alegria, transformavam as brincadeiras do dia numa grande aventura. Pura diversão, rodeada de amigos.

A lembrança agora é do vasto canteiro, com folhas variadas em diferentes tons de verde, e o jardim de rosas mariquinhas e outras maiores, que davam um colorido especial ao quintal da casa. Ah, e o cheiro da dama da noite, inconfundível. Aquela parecia realmente uma casa de contos de fadas. Apesar da simplicidade tudo era impecavelmente limpo. Era um lugar aconchegante, sem sombra de dúvidas.

Ao mesmo tempo em que tinha as mãos de fadas para as mais deliciosas receitas, a jardineira tinha boa mão também para o plantio. Tudo florescia como que magicamente. Uma coisa que não se lembra, porque provavelmente não havia, era de ter sido embalada pelo gostoso balanço da rede.

Nem de ter contemplado peixinhos coloridos em aquários amplos, com suas borbulhas de oxigênio a mantê-los vivo. Que sejam produzidas novas lembranças permeadas de cores e aromas, que ressignifiquem e reenergizem. Afinal, são as desimportâncias que dão sentido à vida.


Anete Lacerda Jornalista

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