Velho ninho - Jornal Fato
Opinião

Velho ninho


Nada mais vale que um abraço. Energiza, aproxima, reinventa afetos e embala palavras. O toque acalenta dores intensas e dignifica a vida em grupo. Não estamos sós quando sentimos o outro; respiração, calor, cheiro, mãos encostadas, fala de reciprocidade. E nos sentimos como ilha quando tanto queremos um afago, um abraço e não somos capazes de, por instante, ter o outro ali. 

Minha poesia sofre quando me sinto tão sozinha. Minha poesia renuncia seus próprios versos para que eu alcance o tato daquele que pode me fazer palpitar, feliz e não muito só. Ela própria me serve de acalanto quando mergulho em águas geladas e profundas, nas quais não tenho ninguém. 

Canta para mim que nada é eterno, inclusive as dores da alma. Também, muita coisa boa passa. Vai voar em outros ninhos, desabrochar para outros olhares. Mas, ela está me dizendo para chegar, se achegar.

Pele com pele aquece sentimentos mais ínfimos, mais plenos, mais insensatos, mais delirantes. Gostamos de sentir com o coração, mas precisamos sentir com as mãos, braços, pernas, rosto, tantos de nós. O tato se vangloria da metafísica, dos preceitos espirituais, dos discursos mais acadêmicos, das ausências, dos homens mais céticos. 

O apelo da pele, do corpo, da mente reelabora os desejos mais perenes, os sonhos possíveis e os para sempre inventados, os ideais de vida e de morte, as eternas falências e as vitórias inéditas. Ceder ao outro, ao seu carinho, suas impressões concretas, seus alicerces resistidos na corda bamba é aceitar-se carente por muitas décadas, é não se inflamar de vocabulários escorregadios, é se ver nu na alma, é deixar ser refletido no espelho os dilemas escondidos e danosos demais, que lhe pesavam sórdidos e adiposos quilos. 

O sentido do tato apropria-se dos sentimentos do coração e das camadas mais densas da 

mente, empoderando-nos. Ele dá vestimenta àquilo que só é possível ver com olhos internos e invisíveis, com a poesia sobressaltada no peito que deseja voar, como aquele pássaro que, todos os dias, revisita as altas montanhas, rios e mares, mas, ao fim da tarde, quer repousar no mesmo cenário. Naquele que te protege dos abutres e o conforta diante de todos os males.

 


Dayane Hemerly Repórter Jornal Fato

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