?A vida mudou. A escola tem que mudar também? - Jornal Fato
Política

?A vida mudou. A escola tem que mudar também?

Secretário da Educação fala do desafio de ensinar uma geração de jovens ligados ao mundo pelo celular


A atual administração estadual foi eleita tendo como bandeira a responsabilidade fiscal e o foco na educação. O secretário de Estado de Educação, Haroldo Correa Rocha, garante que o desafio de fazer crianças e jovens aprenderem ainda é compromisso número um do Governo do Estado.

 

O economista com carreira de professor assumiu a Secretaria de Educação (Sedu) pela primeira vez entre 2007 e 2010. Apesar de ter retornado o posto no ano passado, avalia que o advento dos smartphones (celulares) nesse hiato de cinco anos mudou completamente a vida dos jovens, bem como a maneira de ensiná-los.

 

Haroldo defende melhor aplicação dos recursos no sistema público de educação, fala dos calos do modelo educacional brasileiro e do papel da família e da escola nos tempos atuais. "Nosso desafio é fazer com que todos aprendam", pontua. Leia entrevista completa:

 

ADI-ES - O senhor é economista, mas pela segunda vez Secretario de Educação. Por quê?

Haroldo Correa Rocha - Formei-me em economia, mas escolhi a profissão de professor. Acredito que aqui é onde mais posso contribuir. Em qualquer processo de desenvolvimento, o mais desafiador e importante é a educação das pessoas. Temos problemas de estrutura, de natureza ética, bem como outros tantos. Mas, o mais desafiante, é a educação.

 

Qual o maior desafio nesse contexto da educação?

O desafio maior não está na educação superior, esta na educação base. Dentro da cadeia da educação formal. Se a educação básica não for bem feita, o indivíduo terá dificuldades de ter um bom desempenho no mercado de trabalho ou ingressar no ensino superior.

 

E o ensino público brasileiro já faz essa educação básica bem feita?

Claro que não. Por isso estou aqui. Temos no governo atual uma visão convergente: a educação das crianças e jovens é que vai mudar o país. Mudar inclusive o comportamento ético do brasileiro.

 

Essa é a segunda vez que o senhor assume a Secretaria de Educação. O que mudou de lá pra cá?

Mudou enormemente. Cinco anos nos dias atuais é uma revolução dentro da revolução. No ponto de vista das tecnologias, o mundo era um, hoje é outro. Em 2010 uma parcela pequena da população usava smartphone. O celular mudou a forma de se comunicar das pessoas. Não é mais preciso sentar em frente a um computador.

 

Como fazer uma criança ter vontade de ir à escola nesses tempos dominados pelos celulares?

A vida mudou. A escola tem que mudar também. Minha motivação é fazer essa mudança, na perspectiva de que o papel da escola hoje é ainda mais importante do que no passado. Temos que buscar outras maneiras para lidar com as crianças e jovens. Antigamente a experiência de um jovem era 80% familiar e 20% passados na escola. Isso mudou radicalmente, hoje é o contrário. O conhecimento antes estava na cabeça do professor. O aluno copiava o que tinha no quadro e fazia prova. Hoje temos uma educação híbrida. O conhecimento é uma boa seleção e estudo prévio em casa. O encontro da escola é de debate, troca. O professor deixa de ser apresentador de temas para ser tutor da conversa dos alunos. A escola tem que considerar essa mudança e que a juventude de hoje tem outras necessidades.

 

Que necessidades são essas?

Existem as necessidades cognitivas. O jovem tem que aprender língua portuguesa, matemática...  Agora, hoje o mundo coloca para o jovem uma situação indefinida. As próprias profissões que existem em pouco tempo podem não existir mais. Para o jovem tudo é muito incerto, isso gera insegurança. Eles chegam à escola com essa experiência de mundo muito intensa, mas com uma visão de futuro muito pouco definida. A escola precisa trabalhar essas chamadas competências do nosso século. Que são, por exemplo, capacidade de lidar com perdas. Um jovem de hoje na escola pública, diante de uma reprovação, pode abandonar a escola.

 

O senhor está dizendo que a instabilidade familiar aumentou a responsabilidade da escola?

Com certeza. Mas não é só porque os pais não cuidam dos filhos. É porque o mundo mudou. Existe uma coisa que repetidamente falamos: o primeiro responsável por uma criança ou jovem é sua família. Ela tem a responsabilidade de matricular a criança na escola e lutar para que ela não abandone. Já a escola tem a responsabilidade de ser atrativa para o jovem ao ponto de ele não querer abandonar. Temos que desenvolver as competências cognitivas e também as sociais e emocionais. E precisamos desenvolver nos professores capacidade de lidar com essas novas realidades. Essas duas forças (família e escola) irão ajudar a não termos crianças e jovens fora da escola.

 

Já conseguimos fazer o jovem ficar na escola aqui no Espírito Santo?

Recentemente foi divulgado um estudo da ONG Todos Pela Educação. Um diagnóstico da última década - de 2005 ate 2014. O Brasil tinha mais de cinco milhões de crianças e jovens (de  4 a 17 anos) fora da escola. Reduziu para 2,7 milhões, quase 50%. O Espírito Santo foi na mesma balada. Só que o Brasil aumentou a frequência escola em 4,2%, já nosso Estado aumentou mais: 6,4%. Ficamos entre os cinco estados brasileiros que mais conseguiram trazer as crianças e jovens para escola. Tínhamos 116 mil crianças fora da escola, reduzimos pra 61 mil. O desafio agora é como trazer esses 61 mil para escola.

 

Temos mais crianças na escola, mas essas crianças estão aprendendo?

É bom ter mais crianças na escola. Mas, um contingente grande delas está reprovando. Ou seja, não está aprendendo. E muitas são aprovadas com grau de conhecimento insuficiente para operar no mundo de hoje. As pessoas associam o direito à educação como o direito de ir à escola. Mas, a essência constitucional do direito a educação é o direito de aprender e não de ter matrícula. Este direito a escola pública brasileira não está conseguindo cumprir com aqueles que já a frequentam. É um desafio tremendo.

 

A Escola Viva está hoje associada ao projeto Ocupação Social. Esses programas darão conta desse "desafio tremendo"?

A educação tem que ser na sociedade ferramenta de promoção social e redução da desigualdade. A Escola Viva trabalha as experiências cognitivas, com todas as matérias usuais. Também traz um conjunto de disciplinas e estratégias de envolvimento dos alunos com professores para que desenvolvam outras competências. É a escola do futuro, contemporânea. E isso vai ser a regra em todas.

 

Temos escolas nos locais mais remotos do Estado. Como manter essa estrutura nos capilares funcionando com o mesmo padrão oferecido nos grandes centros?

A rede Sedu tem 500 escolas. Desde unidades com 15 alunos, até 2,2 mil. Um dos desafios que temos como sistema de ensino é padronizar o que for possível. Claro que algumas coisas não podem ser padronizadas. Cada ser humano (aluno e professor) deve ser respeitado sem suas individualidades. O desafio do sistema é trabalhar com os sonhos de cada um. Cada escola está inserida em uma comunidade que tem suas particularidades.

 

O atual governo foi eleito com a plataforma da responsabilidade fiscal e elencando a educação como meta número um. Apesar da crise nacional, o senhor acredita que será possível cumprir essas metas?

A própria educação precisa de ajuste fiscal. Estamos fazendo. Quando pegamos nossas 500 escolas e quatro mil salas de aula e dimensionamos, podemos atender um total de 370 mil alunos. Atendemos 260 mil. Existem 110 mil vagas que não são usadas. Agora, é evidente que pra manter essas vagas sem uso temos um custo. São 30% da nossa capacidade de atendimento que não é usada, mas pagamos por ela. Temos que fazer um dever de casa continuado na educação. Isso não se resolve de uma hora pra outra. E temos que conversar com a sociedade. Precisamos pensar em um sistema que seja racional e onde não haja desperdício. Assim podemos melhorar a remuneração do professor, levar tecnologia para as escolas e ter unidades com infraestrutura cada vez melhor.

 

E vamos ver o fruto desse trabalho já nesses quatro anos?

Mesmo em crise, trabalhamos bem a gestão, para poder melhorar a qualidade do serviço, segurança das crianças e ainda gastar menos. A educação brasileira precisa de mais recursos? Precisa! Mas, racionalizando o uso do que já está vinculado, é possível melhorar. A crise não me desanima, pelo contrário. Na minha visão, sendo racional, mesmo na situação econômica atual, dá para darmos grandes saltos de qualidade. Nosso desafio não é ter mais vagas, nosso desafio é fazer com que todos aprendam.

 

ADI-ES

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