Perna Curta - Jornal Fato
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Perna Curta

Eu não tenho a pretensão de dar lição ou ser exemplo para ninguém. Esse texto é um lembrete para mim e para cada um de nós de como a luz e o vento na cara é bom. Liberdade também é isso


 

Lembro que quando eu era criança e peguei, por pura inocência, achando que estava ali para ser consumido, um chiclete na gôndola de um caixa de supermercado. Quando saímos, já na rua, minha mãe percebeu que eu estava com um chiclete na boca, e me fez voltar ao supermercado, pedir desculpas e pagar. Não sei quantos anos já se passaram desse dia, mas sei que foram muitos. Foi a primeira de muitas lições de que é melhor andar na luz. A tática é mais ou menos não fazer com as outras pessoas o que você não gostaria que elas fizessem com você. Não custa levar essa regra a sério.

Ainda criança, mas um pouco maior, peguei uma caneta marca texto em uma loja. Era a sensação do momento e eu não podia comprar. Passei dias me corroendo com medo de ser presa e acabei voltando à loja com a caneta no bolso e colocando no mesmo lugar. E esse medo de ser descoberto não acontece somente quando roubamos coisas.

Não que o termo politicamente correto me defina. Estou ainda longe disso, infelizmente. Mas é que o medo engessa. Engessa o sorriso, a paz e a tranquilidade de ir vir. Pessoas com segredos e culpas não relaxam e acabam por se acomodarem com a tensão eterna, o peso nos ombros, o coração cansado de tanto que o corpo dá sinais de "fique alerta". O tema em debate nem é ser feliz ou infeliz - isso é pessoal e deve até ter quem prefira viver a beira de um abismo. O ponto é que o pavor de ter um grande segredo revelado pode até ser fatal, de verdade.  As toxinas vão se espalhando pelo corpo quando a situação de perigo é constante. E isso mata. Talvez até lentamente. Mas mata.

Sempre cabe mais empatia na gente, mais verdade dentro de nós. Não que seja preciso abrir mão de toda e qualquer discrição e escancarar sua vida e seus pecados por aí. Não é preciso abrir mão da privacidade e da intimidade e muito menos satisfazer a mórbida e constante curiosidade alheia. No fundo a gente bem sabe quem precisa saber o que. Pode fazer de conta que não, mas sabe sim.  A verdade de cada um não precisa ser revelada. Às vezes ela nem precisa sair de dentro de você. O que ela precisa é ser verdade, e verdade é o contrário da mentira. Acredito sim em mentiras inofensivas, como quando a gente diz que nunca mais vai comer um doce ou beber uma taça de vinho. Como quando a gente diz que tá chegando e ainda tá saindo de casa. Como quando a gente diz que não vai, mas quer só fazer uma surpresa. Ou quando diz que está ocupado para não ir a um lugar onde simplesmente não está com vontade. Há muitos sins que eram para ser nãos e vice-versa. O que não dá é para basear a sua existência ou parte dela em uma fraude.

Onde eu quero chegar e com quem quero ir são fatores que contam quando a gente repensa o que estamos fazendo. E isso vale também nos pequenos gestos. Não adianta culpar políticos de todas as mazelas e estacionar na vaga de idoso e deficiente. Reclamar da corrupção e furar fila ou não devolver o troco a mais. Também não adianta ser um grande cristão dentro do templo religioso e ignorar a família, e nem fazer campanhas de caridade se na sua vida tudo é resolvido a base do jeitinho.

Eu não tenho a pretensão de dar lição ou ser exemplo para ninguém. Esse texto é um lembrete para mim e para cada um de nós de como a luz e o vento na cara é bom. Liberdade também é isso. Andar de cabeça erguida sem medo de sermos descobertos por algum credor. Ainda que seja ele invisível.

 


Paula Garruth Colunista

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