Despida - Jornal Fato
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Despida


Começou prendendo os cabelos.

Disse a ele que o amava. E que era a primeira vez na vida que isso lhe acontecia dessa forma tão arrebatadora. Disse que tudo o que viveu até ali só podia ser uma espécie de preparação. Um ensaio ou uma vida paralela que ela nem se lembra direito como era, já que lá era um lugar onde ele ainda não estava. Falou baixo, mas firme, que não conseguia mais imaginar a vida sem ele. Sem aqueles olhos tranquilos que sorriam quando ela estava agitada, achando graça do estardalhaço dela, principalmente quando a lua estava cheia. Impossível conceber que não dormissem ou acordassem mais juntos, e pediu para que ele tirasse da cabeça qualquer possibilidade nesse sentido. Queria para sempre e todos os dias: quentes, frios, nublados, estrelados, leves e também os que nem tanto fossem. Queria as quatros estações, e iria querer outras tantas, se outras tantas houvessem.

Confessou que sentia ciúmes, que tinha medo e que a pose de autoestima era quase sempre uma defesa. Era insegura com a cor dos cabelos, com as pernas tortas, com a mania de roer unhas e com o humor duvidoso quando acordava muito cedo. E se ele não gostasse? E se ele desamar? E se ela morrer? Ele vai arrumar outra logo? E se engordar muito? E se sentir dor de dente? E se beber demais? E se sentir preguiça e passar o domingo inteiro no sofá? E se chorar por nada? E se sentir vontade de bater na amiga que ela jura ter uma queda por ele? E se...?

Agora que tinha começado, ia esvaziar-se. Confessou que mesmo depois de passado mais de um ano, ainda sentia borboletas no estômago quando ele se aproximava, e o mesmo frio na espinha quando ele beijava sua nuca. E acrescentou que ele estava agora inserido em todos os seus planos, em todos os seus assuntos, nas reuniões de condomínio, nos almoços de domingo com a família, nos aniversários dos amigos, nas noites mais demoradas dos finais de semana, nos banhos de mar e nas maratonas de séries.

Enumerou que músicas e poesias que ouvia e que lia tornavam ainda mais forte a presença dele, ainda que na ausência. Que olhava vitrines pensando nele. Fazia compras pensando nele. Tomava banho de chuva pensando nele. Fazia alongamento pensando nele. E que não, que nada disso era exagero. E que era importante que ele acreditasse, porque ela nunca havia sido tão sincera em toda a sua vida.

Explicou que tudo isso era para ela uma novidade, e que, por vezes, ele precisaria ser paciente. Ela estava aprendendo a não ser apenas um ser, porque ele era agora mais que um parceiro. Eram quase dois corpos, mas que ocupavam apenas um lugar no espaço. Contou que, mesmo sem saber, era isso que queria. Nunca esteve tão feliz.

Tinha consciência que nunca se apresentou tão despida quanto no momento que terminou de falar. Estava exposta em meio a tantas verdades. Era o lugar certo e as palavras corretas. O laço formado no abraço que veio depois estava feito, e seria para sempre.


Dayane Hemerly Repórter Jornal Fato

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