Quebrando paradigmas na agricultura - Jornal Fato
Entrevista

Quebrando paradigmas na agricultura

O secretário de Estado da Agricultura, Octaciano Neto, fala sobre desafios na agricultura


 

 

Por Marcos Freire

 

O secretário de Estado da Agricultura, Octaciano Neto, chegou ao Governo Paulo Hartung com nova visão sobre o agronegócio capixaba e de seus desafios. Em entrevista à Associação de Diários do Interior do Espírito Santo (ADI-ES), o secretário falou sobre estes desafios, principalmente, diante da crise hídrica, além da retomada das obras do programa Caminhos do Campo, telefonia móvel no interior e outros setores da agricultura do Espírito Santo.

 

ADI-ES - Um dos maiores desafios vividos pelos capixabas no primeiro semestre foi crise hídrica, que afeta profundamente a produção agropecuária capixaba. Como está a situação hoje e como a Secretaria enfrenta o problema?

Octaciano Neto - Um importante desafio, a crise hídrica. Eu me recordo, meu avô foi para Pedro Canário em 1958 e dizia que foi para lá para abrir fazenda. Na minha infância, eu não entendia o que era abrir fazenda e hoje eu tenho a compreensão que abrir fazenda era desmatar.

Então, a década de 50 a 70, patrocinadas pelo governo, nós, produtores rurais de todo Brasil, achávamos que, para produzir mais, tinha que desmatar e diminuir a cobertura florestal. E o tempo mostra que esse erro foi importante. Nós precisamos ampliar a cobertura florestal. Compara: Santa Maria de Jetibá com 40 % de cobertura e Pedro Canário com 4%, e Santa Maria ganha mais dinheiro do que os produtores de Pedro Canário, mesmo tendo menos área para fazer a agricultura final. Então, o grande desafio  é exatamente buscar fazer esta quebra de paradigma no governo, focado sempre em pensar na infraestrutura e ter uma quebra de paradigma neste diálogo com os produtores, para o governo colocar uma porção de barragens e reflorestamento. Acho que essa temática foi um grande desafio neste 1º semestre.

 

O que o Governo está fazendo para ampliar o número de barragens no Estado?

O Espírito Santo tem 32 mil e 500 barragens. Setenta por cento delas estão no Norte. Estão lá por obra dos produtores. O governo nunca construiu barragem no Espírito Santo. E por que estão no Norte? Porque o Norte sofria, há muito mais tempo, do que o Sul. Então, a fruto do sofrimento, o produtor investiu para ser mais competitivo. Tem um défict mais intenso do que no Sul. O governo, agora, entre os 20 projetos prioritários do governador Paulo Hartung, é infraestrutura hídrica. Então, o estado está colocando de pé, a partir deste ano, um conjunto de obras para garantir que, nas próximas secas ou nas próximas cheias, impacte menos na vida dos produtores rurais. Como eu disse, são 20 projetos prioritários e nós conseguimos fazer que a barragem fosse um desses projetos. E, especificamente, o Sul. Estamos lançando um projeto com o Bandes para financiamento de duas mil barragens na Bacia do Rio Itapemirim e na Bacia do Rio Itabapoana, para os próximos três anos.

 

Isso será lançado quando?

Em setembro, a gente deve fazer o lançamento, no Sul. Estamos esperando o governador anunciar os 20 projetos prioritários. Um deles é a construção de barragens, especificamente no Sul. E por que estamos lançando este projeto com o Bandes e essa construção de barragem especificamente no Sul, no rio Itapemirim e Itabapoana? É pelo déficit de barramento, pelo déficit de infraestrutura hídrica que tem no Sul, como eu falei: este processo histórico que o Norte concentrou mais do que no Sul por razões climáticas.

 

Para o financiamento, também haverá o acompanhamento técnico? O governo vai auxiliar tecnicamente os produtores para fazer de forma correta?

Sim, auxiliará. A nossa ideia é que o Governo do Estado pague o produtor, inclusive, os projetos para o produtor rural. O produtor financia a construção das barragens.

 

Como o Governo pretende ampliar a cobertura florestal do Estado? Esse trabalho passa pela conscientização dos produtores, certo?

É redobrar a aposta realizada no programa reflorestar. O Reflorestar foi implantado no segundo ciclo do governador Paulo Hartung, mas o dinheiro não chegava à mão do produtor. Essa burocracia foi diminuída nesses primeiros seis meses para a gente conseguir avançar. Isso é um trabalho que o governo não dá conta de fazer, todo o reflorestamento. Então, é um trabalho de conscientização, também. O produtor está percebendo que ampliar a cobertura propriedade por propriedade, fazenda por fazenda. A propriedade que tem costa de morro protegida, que é APP protegida, que tem nascente protegida e que tem barragem, vai ganhar mais dinheiro que o produtor que está desmatado. Não é mais Espírito Santo ou Nordeste. É dentro da mesma cidade, do mesmo distrito, propriedade por propriedade. Então, nessas duas frentes, uma ação de governo é também uma ação por parte dos produtores.

 

Vivemos crise financeira muito grande. O estado, consequentemente, sofre o mesmo e teve que fazer cortes. A sua Secretaria também foi atingida, com algumas obras paralisadas. Uma das principais queixas dos moradores do interior é com relação à paralisação das obras do programa Caminhos do Campo. Há previsão para que essas obras sejam retomadas?

De 2003 a 2013, foram concluídas 117 obras. Dá uma média de 10 obras e meia por ano. Somente no ano passado, estavam sendo tocadas 31 obras. As obras foram paralisadas em 30 de novembro do ano passado. Não adianta vender ilusão para a sociedade. Tem que fazer obra que o governo dê conta de tocar. Não adianta fazer política, como foi feito. Tocar 30 obras num ano, sendo que a capacidade histórica de tocar é de 10 obras? Não tem recursos humanos e nem capacidade orçamentária para poder tocar. Então, o que nós fizemos. Encaminhamos para a Assembléia Legislativa e esta criou um fundo para conseguir concluir essas obras. Como não tem recurso do tesouro, a gente conseguiu, junto ao BNDES, um aporte de 70 milhões de reais, para serem concluídas. E, depois de concluídas, o estado vai retomar, dentro da realidade orçamentária, o que é mais importante para o produtor. Mais importante para a sociedade, além de fazer obra, é ter assumido um compromisso e honrá-lo. E é por isso que o governador Paulo Hartung tem essa credibilidade toda no estado.

 

Quais critérios serão usados? O senhor tem obras que estão faltando 10%...

Todas as 31 obras serão retomadas de forma única, porque o recurso que está vindo é suficiente para concluir todas as 31 obras. Então, nós vamos reiniciar todas ao mesmo tempo.

 

Há planos para a ampliação da telefonia móvel no interior?

Primeiro iremos pagar a Vivo. O governo anterior inaugurou 72 antenas de telefone 3G, no período eleitoral, e deve, para a Vivo, R$ 21,3 milhões. Então, a prioridade em 2016 será pagar, porque todas essas antenas inauguradas no período eleitoral não foram pagas. E após o pagamento, buscaremos retomar o programa de telefonia rural que é fundamental para o homem do campo.

 

Um anúncio importante feito pela Secretaria de Agricultura, no primeiro semestre, foi a construção dos silos para armazenamento de milho em Viana. O que esse investimento representa para os produtores capixabas?

É uma parceria com a Conavi e o governo investiu 15 milhões de reais na desapropriação. Nós temos um problema sério com a oferta de milho. O milho praticamente está na região centro-oeste do Brasil e o custo para comprar é o mesmo para o produtor de frango do Mato Grosso, de São Paulo e daqui, do Espírito Santo. A diferença está na logística. O que precisávamos fazer era ter uma logística mais eficiente. O transporte, como é realizado hoje, por caminhão, o custo é muito alto. Os silos de Viana representam a facilidade logística. Esse milho e farelo de soja virão por trem. Vai baratear o custo para o produtor. Era estratégico porque o frango, capixaba, hoje, abastece 60% do mercado. Nós temos mercado interno, capixaba, mas temos condições de produzir mais frango no Espírito Santo. Mas isso agarra na questão da competitividade em função deste custo muito alto do frete. Dá para aquecer a avicultura de postura de ovos, que vende para todo o Brasil, hoje. E a gente consegue avançar na suinocultura. Com um silo, temos um posicionamento estratégico, são cinco silos que a Conavi está fazendo no Brasil, com a capacidade de 750 mil toneladas.

 

A Secretaria planeja mudanças no sistema de inspeção animal do Estado?

Estamos mudando. Fizemos agora seis seminários. Discutimos com a população. Não faz sentido um produtor de queijo, ele e a esposa, trabalhando com 10 quilos de queijo por dia, para vender no sábado, na feira da cidade. Precisa ter pátio documentado, muro, dois banheiros, masculino e feminino, como na casa dele tem. A intenção do governador é tornar o Idaf amigo do produtor rural. E a inspeção animal, estamos fazendo edital de concessão pública. Então, a inspeção será tocada por médicos veterinários da iniciativa privada sobre auditoria do Idaf. Como cada vez mais as propriedades estão diminuindo, fruto de sucessão familiar, então, a pessoa precisa produzir mais, com o mesmo hectare que tem, pela área que tem, que é menor do que o pai, o avô tinha. E para conseguir produzir mais com a mesma área, precisa verticalizar, agregar valor a essa produção e a área de socialização. Então, é uma aposta importante para gerar mais valor pelo seu produto primário, pelas propriedades rurais.

 

As agroindústrias capixabas também podem esperar por mudanças?

Isso. É na mesma linha. A inspeção animal e as agroindústrias, frigoríficos, abatedouros é flexibilização, a mudança de facilitar a vida para que o produtor de socol, produtor de queijo, linguiça, possam vender para o estado, Brasil todo, de forma mais facilitada.

 

Quais os planos para o Incaper? O Estado vai investir em pesquisa com recursos próprios?

Dois desafios importantes no Incaper. Um é fazer toda a geração de inteligência, de pesquisa feita pelos pesquisadores, chegue ao homem do campo. Ainda existe uma desconexão entre os pesquisadores e o extensionista. Tem muita informação de qualidade que o produtor rural não se apropria, porque falta o veículo para levar essa informação, o veículo é o extensionista. Vamos aproximar a prática do extensionista da prática do pesquisador. Outro desafio importante do Incaper, é que e extensão rural tem que ser fruto de estratégia de governo. A extensão rural, como é realizada hoje, é muito solta. Então o extensionista busca fazer o trabalho num município, fruto das próprias experiências dele. Então, o extensionista que gosta da agrologia e está num município, vai implantar agrologia naquele município. O que gosta de café, que tem experiência, que é especializado em café, vai implantar, vai focar na cafeicultura. Precisamos que isto esteja alinhado na estratégia do estado. Então, é um desafio. O Incaper precisa atuar de forma conjunta. É uma instituição só. Um dos orgulhos do Espírito Santo é o Incaper, a imagem que o Incaper tem. Talvez seja a instituição com a melhor imagem pública, dentro Estado, mas precisa que exista um alinhamento entre a decisão estratégica do estado e o que o extensionista está fazendo lá fora. Este é o desafio, falar a mesma linguagem.

 

A agricultura capixaba é predominantemente de base familiar. Como o Governo pretende fortalecer esse setor fundamental para o equilíbrio social e econômico do Estado?

Noventa e três por cento das propriedades rurais do Espírito Santo tem menos de 100 hectares. Estamos lançando e a Assembléia Legislativa aprovou o Fundo da Agricultura Familiar. Todas as associações, todas as cooperativas do estado vão ter acesso a este edital. São 12 milhões de reais do Governo do Estado em que a Cooperativa de Piscicultura de Linhares poderá apresentar um projeto e concorrer, para ampliar, comprar mais tanque e rede, para construir uma fábrica de ração, para poder ampliar a sua área de filetamento de tilápia, por exemplo. Então, é uma grande mudança, também, de um grande paradigma. É a democratização do acesso público para direcionar os recursos para melhores projetos. Associações de produtores rurais também estão inseridas. Antigamente, existia muita associação cultural, de moradores.

 

Mesmo com a economia em crise, o setor do agronegócio pode contribuir para equilibrar um pouco as contas em 2015? Há expectativa de geração de empregos no campo?

Precisa ampliar a qualidade de vida do produtor. Em 2013, a grande solicitação era a energia rural. Hoje, tem energia em todas as propriedades. O desafio agora é que pode ter uma ou outra propriedade sem e que está impedido na Escelsa ou na empresa de Colatina. O desafio é levar energia trifásica, porque quem quer essa energia, não é só pela qualidade de vida dele, é porque ele quer agregar valor à produção, quer colocar uma fábrica de ração, ele quer colocar uma irrigação, equipamento mais potente. O governo vai continuar investindo para melhorar a qualidade de vida, para o cidadão querer ficar em sua cidade não só por aspectos culturais, mas por se sentir bem e ter orgulho de ter qualidade de educação e saúde, para poder estar no campo.

 

 

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