?Leis trabalhistas não dialogavam com a realidade?, diz Ricardo - Jornal Fato
Entrevista

?Leis trabalhistas não dialogavam com a realidade?, diz Ricardo

Em entrevista à Associação dos Diários do Interior (ADI-ES), o senador esclarece alguns pontos da lei


Foto: Divulgação

 

Caroline Pereira/ADI-ES

 

A reforma trabalhista, sancionada no dia 13 de julho pelo presidente Michel Temer, teve como relator o senador capixaba Ricardo Ferraço (PSDB). Ele, que esteve nesta sexta-feira em Linhares para participar de debate sobre o tema, concedeu entrevista à Associação dos Diários do Interior (ADI-ES) sobre sua atuação, especialmente como relator da reforma.

 

Para Ferraço, a nova lei pode estimular a geração de empregos, especialmente nos pequenos negócios que, segundo ele, são os grandes responsáveis pela criação de novas oportunidades para os brasileiros. O senador também assegura que os direitos dos trabalhadores estão mantidos.

 

Na entrevista, Ferraço fala ainda sobre a aprovação do projeto que convalida e legaliza os incentivos fiscais concedidos pelos Estados para atrair empresas e indústrias. "Sem esses incentivos, nós não teríamos conseguido atrair para o Espírito Santo um conjunto muito grande de empreendedores", diz.

 

ADI: O senador foi relator do projeto da reforma trabalhista, que teve e ainda tem uma grande relevância nos debates nacionais. Quais seriam os principais impactos dessa reforma na vida das pessoas?

 

Ricardo Ferraço: Essa é uma proposta relevante, polêmica, eu reconheço; afinal, estamos mudando os paradigmas das relações de trabalho no País. Nossas leis trabalhistas, por serem dos anos 40, não dialogavam mais com a realidade brasileira. Talvez, o símbolo maior dessa ausência de conexão com a realidade é que as nossas leis trabalhistas, que foram um marco civilizatório, que marcaram definitivamente um novo tempo nas relações e na proteção ao trabalhador, com o tempo se revelaram, por incrível que pareça, como leis excludentes. Hoje, nós temos cerca de 140 milhões de brasileiros em idade laboral. Destes, 50 milhões estão protegidos pelos direitos e garantias constitucionais, mas temos 90 milhões de brasileiros que estão submetidos e subordinados às regras mais primitivas de contratação, sem carteira assinada, sem qualquer tipo de direito. Afinal, quando não há carteira assinada, a pessoa não tem direito ao aviso prévio, fundo de garantia, 13º salário, 30 dias de férias, etc. Todas essas garantias não estão disponibilizadas para grande parte dos trabalhadores brasileiros - 50 milhões têm, mas 90 milhões não têm.

 

A reforma trabalhista também foi alvo de muitas críticas e polêmicas. O que o senador tem a dizer sobre isso?

 

Essa polêmica que nós enfrentamos é fruto da desonestidade intelectual, até mesmo de muitos segmentos que perderam o poder e, com isso, estão mascarando a realidade dos fatos. Há uma propaganda de que essa lei retira os direitos dos trabalhadores, mas é mentira. Isso não é verdade. Tanto que quando fazemos debates sobre o assunto, e perguntamos qual direito que está sendo subtraído, as pessoas gaguejam, andam de lado, enfim, não sabem responder. Essas pessoas se utilizam do trabalhador para defenderem seus próprios direitos e interesses. Parte disso é uma reação, por exemplo, do fim da contribuição sindical obrigatória, que é uma conquista para a pessoa que vai poder opinar se ela autoriza ou não esse desconto no seu salário. Nós mantivemos todos os direitos e criamos uma série de alternativas para incorporar ao mercado de trabalho milhões e milhões de brasileiros que estão desprotegidos de direitos que são fundamentais. Ao mesmo tempo em que a gente também vai regulamentar muitas coisas, vamos dar segurança jurídica a quem contrata, estimulando e motivando a contratação com carteira assinada e com garantias e direitos.

 

O senador acha que a reforma vai impactar positivamente a geração de empregos no País?

 

Penso que sim. A reforma dialoga com realidades que estão presentes no dia a dia. Existem muitas contratações informais e, até aqui, a Lei e o Governo, de certa forma, fizeram vista grossa para essa realidade. Ao flexibilizar a legislação, nós estamos permitindo, por exemplo, que o micro e o pequeno empresário possam formalizar a contratação de trabalhadores. Hoje, quem gera emprego no Brasil é o micro e o pequeno empresário. As estatísticas indicam que eles são responsáveis por 70% a 75% dos empregos que são gerados no País. São pessoas que ontem eram empregados e pelo seu valor empreendedor montaram seu próprio negócio. Não importa se esse negócio tem um, dois ou três empregos. O importante que é, agora, nós regulamentamos a possibilidade de contratar pessoas com carteira assinada e, ao fazer isso, conseguimos conceder direitos às pessoas que não os tinham, pois estavam e ainda estão submetidas às regras mais primitivas de contratação, e também damos segurança jurídica a quem contrata.

 

O senador também foi relator do projeto que convalida e legaliza os incentivos fiscais concedidos pelos Estados para atrair empresas e indústrias. Quais seriam os maiores ganhos para o Estado?

 

Os incentivos ficais foram fundamentais na estratégia de estruturação do nosso desenvolvimento econômico. Sem esses incentivos, nós não teríamos conseguido atrair para o Espírito Santo um conjunto muito grande de empreendedores, que hoje proporcionam uma quantidade sem fim de empregos e oportunidades. Se nós não corrigíssemos esse projeto no Senado, nós correríamos o risco de não manter 150 mil postos de trabalho em nosso Estado, porque alguns desses incentivos fiscais, ou praticamente todos eles, teriam morte súbita. Eles acabariam já em 2019. E ao terminar, muitas empresas que se instalaram aqui, em razão desses incentivos, buscariam abrigo em outros Estados.

 

Esses incentivos são fundamentais para a economia do Espírito Santo?

 

Sim. É muito difícil, para um estado como o nosso, que está na região Sudeste, concorrer com estados poderosos, como é o caso de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Temos aqui na uma competição desigual. Esses estados são os mais poderosos do país. E o nosso, territorialmente, é menor e com menor população. Nós estamos brigando, no bom sentido da palavra, com três países amigos. E esses incentivos foram fundamentais para que nós pudéssemos atrair para o nosso estado muitos empreendimentos geradores de emprego. Os incentivos industriais permanecem por mais 15 anos, os do Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias (Fundap) por mais oito anos e os comerciais e atacadistas por mais cinco anos. O Fundap, por exemplo, representou para o Espírito Santo, em 2016, R$ 540 milhões de receita. O setor atacadista representou de receita de ICMS algo próximo a R$ 750 milhões. Quando somamos esses valores, temos R$ 1,29 bilhão de receitas governamentais que foram geradas. Isso é muito! O governo do Estado, em 2016, investiu em todas as áreas algo próximo de R$ 200 milhões. Ao assegurar a manutenção dessas receitas, isso significa a capacidade de investimento do nosso estado multiplicado por seis. É como se nós estivéssemos garantindo recursos correspondentes a seis anos de investimentos da capacidade do governo. Por isso, essa foi uma conquista muito importante. Se não fossem os incentivos fiscais, nós não teríamos conseguido trazer para Linhares a WEG, a Sucos Mais, entre outras, e até mesmo a Oxford e a Marcopolo para São Mateus. Os exemplos se multiplicam. E esses incentivos foram fundamentais para contribuir com a diversificação econômica. Conseguimos interiorizar, através dos incentivos fiscais, as oportunidades de emprego e as condições das pessoas de prosperarem na vida com o seu esforço próprio.

 

Quais seriam os demais projetos que estão sob sua responsabilidade e que podem gerar grandes impactos na vida do País?

 

Vou enfrentar agora, no começo do mês de agosto, um projeto que eu considero muito importante, que é a chamada reforma política. Sou autor de uma proposta já aprovada no Senado, em fase de votação e conclusão lá na Câmara. Esse é um projeto muito importante porque disciplina e moraliza a questão partidária em nosso País. Hoje nós temos 35 partidos registrados, mas há uma fila no Tribunal Superior Eleitoral que reivindica o registro de mais de 50 partidos. Somando 50 mais 35 serão 85 partidos. Mundo afora não há referência, em tempo nenhum da história, de um País que tenha existido com tantos partidos políticos. E por que isso? Para que se tenha acesso ao chamado fundo partidário, que gera para todos esses partidos, por ano, um dinheiro muito grande - cerca de R$ 800 milhões.

 

E o que o projeto propõe?

 

O projeto estabelece a cláusula de barreira e a tendência é diminuir de 35 partidos já existentes para algo em torno de 12 partidos. Isso vai dar uma moralizada na estruturação do sistema partidário brasileiro. Além disso, atacamos outra questão muito importante, que é o chamado fim das coligações proporcionais. Hoje, você vota no Joaquim, mas em função da coligação elege o Antônio. Via de regra, estamos votando em um candidato e elegendo outro. Então o fim da coligação proporcional e o estabelecimento da cláusula de barreira vão gerar um profundo choque já nas eleições de 2018. A reforma política é absolutamente necessária, inadiável, para a gente dar uma moralizada e uma organizada no sistema da política brasileira.

 

E essa reforma atende aos anseios da população...

 

É o que gente tem percebido. Há um enorme desgaste na classe política em função dessa desmoralização do sistema partidário político brasileiro. Evidentemente é que esses são apenas os dois primeiros passos e outros precisam ser dados. Mas qualquer outro passo pressupõe que a gente reduza fundamentalmente o número de partidos políticos. Partido político no Brasil virou negócio. E partido não pode ser negócio.

 

O senador iniciou sua vida política com 19 anos de idade, como vereador em Cachoeiro de Itapemirim. Também já foi o mais jovem presidente da Assembleia Legislativa. Que conselhos daria para outros jovens que pretendem seguir carreira na vida política? E o que falaria para os leitores que querem se envolver mais com o assunto?

 

A reflexão que eu faço é da necessidade cada vez maior do engajamento e da mobilização da participação política das pessoas. A política é uma atividade absolutamente necessária à organização e ao encaminhamento das questões coletivas da sociedade. Você pode se livrar dos maus políticos e é assim que deve acontecer através do voto. Mas você não tem como se livrar da política, que é uma realidade, uma necessidade das nossas vidas pessoais, profissionais, familiares e públicas. A política vai continuar existindo de qualquer maneira. Você não vai ficar livre do vereador, do deputado, do senador e assim por diante. Somente a mobilização popular, a participação, a fiscalização social e o controle das pessoas sobre os políticos é que melhoram a política. Mesmo em um período de baixa credibilidade e reputação, espero que as pessoas possam refletir para a necessidade de melhorar a política. E para tanto, as pessoas têm que participar e eleger representantes que possam ser de sua confiança. É como diz o ditado: a coisa mais certa no mundo é que se você não gosta de político e se você não participa da política, você está condenado a ser governado por quem gosta de política. Deixo minha palavra de estímulo e motivação para uma participação intensa na política, sendo você candidato ou não. Se não for candidato, participe acompanhando e fiscalizando. Hoje está mais fácil com as redes sociais e com o acompanhamento que a própria mídia e a imprensa fazem. É muito importante o acompanhamento para que as pessoas possam discernir o real da ficção, o honesto do desonesto.

 

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