Tristeza - Jornal Fato
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Tristeza


Normalmente, quando retorno de alguma viagem mais longa ou demorada, sinto-me feliz e ao mesmo tempo ansioso por voltar à minha terra, ao meu Estado natal; sentir os ares de Cachoeiro me faz bem, em resumo e por mais estranho que possa parecer. Contudo, dessa vez foi diferente.

 

Passei dez dias longe de nossa cidade, sendo que seis deles pedalando em companhia de alguns bons amigos na região do Vale do Rio Itajaí, serra de Santa Catarina. É o chamado Circuito do Vale Europeu, que deve ser feito a pé ou de bicicleta - os menos preparados ou os mais preguiçosos também podem fazê-lo de carro e assim conhecer as cidadezinhas de lá, muito bonitas, de povo simpático e acolhedor e uma culinária muito saborosa. Saímos daqui de ônibus numa quinta-feira e chegamos a Timbó na sexta; no dia seguinte seguimos para Pomerode - autointitulada a cidade mais alemã do Brasil; título este que deveria pertencer na realidade à nossa Domingos Martins, conforme nosso guia mesmo me falou, mas aí já é assunto para outra crônica. De lá prosseguimos para Indaial, Rodeio, Dr. Pedrinho, Alto Cedros e, novamente, Timbó; chegávamos a uma nova cidade ao fim de cada dia e sempre pedalando, com sol, chuva e frio, muito frio nos últimos três dias.

 

O que esses diferentes trechos possuíam em comum, além das citadas hospitalidade e boa comida, era a grande quantidade de diversos cursos d'água, fossem eles córregos, riachos, rios ou cachoeiras. Não havia um dia sequer em que não passássemos por pelo menos duas ou três águas diferentes, cristalinas, límpidas. E como somos mountain bikers, o que mais havia para nós eram morros a escalar, e nenhum deles, absolutamente nenhum, estava desprovido de cobertura vegetal. Quando digo cobertura vegetal refiro-me a matas, em sua maioria nativas; como resultado disso, por mais cansativas que fossem nossas escaladas, sempre que chegávamos ao topo havia sempre uma aragem úmida ou sombra a nos refrescar. Aqui na região sul do Espírito Santo, ao contrário, o que mais se vê são morros carecas, quando muito cobertos por uma rala capa de capim seco, entrecortados muitas vezes por voçorocas medonhas e sem uma cabeça de gado sequer.

 

Daí a origem da tristeza que lentamente se apossou de mim ao chegar em casa. À medida que nos aproximávamos do sul do Estado, a paisagem prenunciava o que já conhecíamos: os morros acinzentados, desprovidos de árvores; os cursos d'água assoreados, se não secos, mortos; o calor sufocante em pleno inverno - e a total ausência de chuva. Ao ver o Itapemirim, descendo lento a Curva do Caixão, no Baiminas, imaginei que poderia atravessá-lo ali a vau, sem molhar os joelhos - e pensar que nele se disputavam regatas há menos de um século. Mais distante um pouco o Itabira, com resquícios de Mata Atlântica, insuficientes para amenizar o calor e sustentar as nascentes do nosso rio.

 

Jornal de circulação no sul do Estado noticia hoje que o rio Alegre, que cruza a cidade de mesmo nome, entrada do Caparaó - e que nutre a bacia do Itapemirim - está morrendo. Tristeza, enfim.

 

 

                


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