Trégua - Jornal Fato
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Trégua


As duas grandes tragédias dos últimos dias trouxeram um momento de trégua à vida real e às redes sociais. Os adversários em tudo finalmente encontraram causas comuns - a descoberta surpreendente das perigosas armadilhas instaladas pelas grandes mineradoras junto a comunidades bucólicas, como Bento Rodrigues, a indignação pelo caos ambiental devastador, o espanto e o temor diante da ousada competência terrorista do Estado Islâmico.

 

Estamos todos chocados. Mas, contraditoriamente, encontro em algum lugar que não sei bem onde fica um certo apaziguamento, uma tranquilidade inesperada. Afinal, depois de tantos meses me armando todas as manhãs para a nossa guerra diária de ataques furiosos motivados por qualquer mínima diferença de opinião, posso sair do quarto sem medo de levar na cara uma agressão verbal, sem ser metralhada pela intolerância do vizinho ou do colega, sem cair na rasteira da arrogância alheia.

 

A desgraça nos uniu. Por alguns dias, olhamos para o lado sem a certeza de encontrar um inimigo, embalados pela antiga ilusão de que somos todos iguais em desejos e crenças, defendemos os mesmos ideais e queremos seguir um só caminho em direção a um mundo melhor, com mais justiça e paz para todos. Tomamos ingenuidade no café da manhã.

 

A sociedade brasileira partida teve a chance de descobrir quem são os vilões reais, os adversários do cidadão comum, e que eles são os mesmos para os dois lados: as corporações bilionárias e aqueles financiados por elas, o extremismo religioso e o radicalismo político. Os dois episódios nos mostraram que talvez possamos incluir nessas categorias boa parte daqueles que utilizam ferramentas de poder para dividir o mundo em ricos e pobres, opulentos e famintos, dominantes e dominados.

 

Mas, infelizmente, é como dizem: a memória é fraca e a comoção pública costuma passar rapidamente. Em poucos dias já estamos de volta ao nosso pobre embate diário entre tucanos coxinhas e petralhas; machistas e feminazi; racistas, fascistas e homofóbicos contra todos que defendem seu direito de existir igualitariamente nesse mundo que deveria ser de todos. Afinal, é mais fácil xingar o vizinho do que tentar derrubar os que se encontram no topo do mundo.


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