Sobre o tempo - Jornal Fato
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Sobre o tempo


O tempo moldou a humanidade. Com sua contagem e medida marcamos épocas, feitos, conquistas, guardamos lembranças. Aprimoramos a memória. Com ela, apenas ela, pensamos, única forma de existir. Sem o pensamento e as lembranças não existimos. Mesmo com um corpo perfeito, ficamos isolados no mundo. Muitas vezes, parece proposital, fica um vazio, serve para a chegada da esperança, um tempo melhor. Em outras, vem o esquecimento, serve para o apagamento das coisas desagradáveis. Ainda assim, cicatrizes permanecem em nossas almas. Com o tempo se faz justiças, esclarecemos fatos, aprofundamos conhecimentos. O tempo refaz histórias. Com o tempo...

O tempo é precioso. Algo dos humanos. Pertence a vida. Ainda que o tempo da vida humana seja curto. Sofremos quando percebemos o nosso tempo se esgotando. Ficamos marcados com sua passagem. No nosso mundo poucos convivem harmonicamente com o sentimento de sua perda. Nossa maior angústia é não poder bloquear sua evolução, somos inexoravelmente reféns da sua passagem. E, também, não podermos retornar as exatidões dos fatos, com o tempo nossas lembranças são alteradas.

Nos tempos medievais, os nobres viviam ociosos. Utilizavam o tempo livre para o lazer. Apreciavam artes e a caça. Viviam ociosos, e aparentemente felizes, com a exploração do restante do povo. Para sua ociosidade dependiam da escravidão de povos. A escravidão tornou-se imoral. Demorou em nosso país. Fomos os últimos a libertar os escravos. Os últimos a perceber o absurdo em que vivíamos. No século da abolição, a produção de bens de consumo elevou-se. A força de trabalho, em especial na Inglaterra e América do Norte, e depois em todo o mundo, desvia-se do campo para as fábricas, uma nova forma de escravidão aparece. Lentamente, a sociedade, com as exigências dos explorados, corrige os erros e os direitos se apresentam. O trabalho, mais ainda o ganho financeiro, passa a ser um status social. Todo o tempo é disponibilizado para a produção e obtenção de bens. O trabalho e a utilização do tempo passam a ser obsessivos. Algo doentio. Os que não têm força para o trabalho, e produção, ficam sem utilidade social e são desprezados. O que vale é o que se produz em determinado tempo.

A obsessão da ocupação do tempo leva a rapidez e a urgência das coisas. O minuto é sentido em menos dos 60 segundos. Vivemos das sensações urgentes e fugazes. Vivemos na superficialidade das coisas. O tempo passa a ser escasso. Vivemos sem tempo. Somos escravos do nosso pouco tempo. Não há tempo para observar passarinhos, terra molhada, rios, areia da praia, ondas no mar, fases da lua, conversa do vizinho, pedidos de casa... A utilização do tempo se restringe a produção e obtenção de coisas. Lembramos-nos das coisas que deixamos de ver em nosso tempo, quando ele se esgota. Quando estamos em nosso fim. No fim do nosso tempo no mundo. Perguntamos tardiamente: ainda há tempo? Tempo para a boa ociosidade, lazer, tempo para o outro e para nós mesmos. Sim, há tempo para mudar. Sempre existirá. Ainda que seja para uma palavra. Contudo, melhor seria, desde sempre, uma doação de parte do nosso tempo para quem precisa de nós.

 

Sergio Damião Santana Moraes


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