Restaurar-se - Jornal Fato
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Restaurar-se


Sentada à mesa do trabalho como todos os dias, mas, hoje, algo me incomodou. Fiquei olhando para o computador sem que a mente se desligasse. O pensamento almejava uma resposta, um conforto para as mazelas e impedimentos que vez ou outra nos alcança.

 

As mãos circulavam entre o mouse e, a cada instante, clicava em um site diferente em busca de uma leitura ou de uma música que aquietasse meu coração, no momento, em ardência. Mas nada resolveu, precisava de um encontro pessoal comigo mesma, de estar em silêncio e desligada do resto do mundo.

 

Agora sentia a necessidade de me desligar, de ser livre, de fugir, mas de quê? Talvez de mim mesma; das cobranças e obrigações que, mais que a vida, eu me imponho.

 

Quando menina, nunca gostei de ser elogiada, sentia-me limitada, falível e, quando os elogios e comparações surgiam, eu pensava que seria bom se meus pensamentos fossem ouvidos em voz alta por todos. Assim, não seria tão idolatrada e não me sentiria tão vacilante.

 

Elogios nem sempre são positivos! Dependendo do modo como se registram, geram o dever pessoal de não errar. Contudo, quem não erra? Quem não falha nessa vida? Pior que a cobrança dos outros, a quem nada devemos, são as nossas próprias cobranças. Ainda pior é o senso de ser exemplo de vida que, por vezes, nos impomos.

 

Com o passar do tempo as coisas mudaram. Hoje, quero o silêncio, tenho árduo desejo de que meus pensamentos não sejam ouvidos, mas, por vezes, me parece que a alma grita e revela segredos que não gostaria de transparecer. Não por serem pecados ou maledicentes, mas por serem meus, só meus. Todos temos direito ao auto pertencimento de vez em quando. Segredos não precisam ser revelados, mas defendidos.

 

Impaciente, levantei-me; peguei a bolsa; desci as escadas e, na rua, entrei no meu carro e sai sem rumo. Música rolando, as janelas abertas, o dia estava chuvoso, mas deixei o vento úmido tocar em minha pele. A alma parou para refletir sobre a vida até encontrar um lugar ao ar livre para simplesmente olhar para a criação de Deus.

 

A reconstrução era necessária. Ás vezes perco a sincronia, saio do equilíbrio e preciso, como uma máquina velha, parar para ser restaurada. É necessário lubrificar o que a vida enferrujou; restabelecer as sensações que se tornaram confusas e desajustadas.

 

Em direção a lugar nenhum; pensamentos borbulhando na mente; o corpo extasiado, os olhos fixos como que enxergando através da alma que, por sua vez, ora a Deus que dê o bom discernimento, e, assim, vagarosamente a ordem vai se restabelecendo para o retorno às obrigações que não podem ser repassadas.

 

Vez e outra é necessário parar, refletir e se reajustar, contudo, a vida passa numa velocidade assimétrica e seu relógio nunca para. Assim, vamos deixando a vida perder a sintonia e, quando nos deparamos, o corpo está adoecido e a alma carregada das dores que, sequer, são dela.

 


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