Pesadelo - Jornal Fato
Colunistas

Pesadelo


A paralisação da Polícia Militar no Espírito Santo trouxe à tona algumas revelações. Algumasóbvias, outras surpreendentes, todas igualmente assustadoras e sombrias.

 

A maior obviedade que este movimento nos trouxe é a certeza de que precisamos de polícia. Nossa sociedade não está preparada para viver sem a fiscalização e o controle dos aparatos policiais e legais. Somos um país desigual, em que a riqueza de uns continua sobrepondo-se grandemente à da maioria, os bens de consumo continuam acessíveis a uma minoria, e há muitos níveis sociais, muitas valas a nosdistanciar. E, entre elas um sentimento estimulado pela própria sociedade de consumo, que nos ensina desde sempre que precisamos ter, precisamos ambicionar e invejar, e, para obter o nosso objeto de desejo, tudo é válido, inclusive matar, roubar e saquear.

 

Sim, saquear! Esta foi certamente a grande surpresa que a chamada "greve branca" da polícia nos trouxe. Temíamos a ação dos bandidos, dos fora-da-lei, mas nuncaimaginávamos ver nossos vizinhos e parentes, as chamadas "pessoas de bem", nossos iguais invadindo estabelecimentos comerciais para tirar à força o que não lhes pertence. E, se o assunto é insegurança, esta agora é a maior delas: a certeza de que não há em quem confiar, que todos estão sujeitos a revelar, à mínima provocação, o pior de si. Tememos a nós mesmos.

 

Outras reflexões também foram impostas pela paralisação dos PM`s: o cinismo da categoria, que se permite manifestações iguais às que eles costumam dispersar com agressividade, gás lacrimogêneo e balas de borracha; o cinismo do governo estadual que denomina de gestão exemplar o arrocho salarial imposto aos servidores, com os quais ele não dialoga e, pelo contrário, acusa de infidelidade com o apoio da grande mídia; e a certeza de que nesse país Constituição e lei são coisas para não se respeitar. Afinal, se nem o presidente ilegítimo e o congresso as respeitam, por que deveríamos?

 

De tudo, o que vai ficar, quando tudo isso terminar - porque vai terminar, esperamos - é a sensação de que este não é o país e nem a sociedade em que eu queria viver, e que, no nível em que as coisas estão, eu não estarei viva para ver o Brasil se transformar na minha terra dos sonhos. Pelo contrário, o que temos e teremos, cada vez mais, é um pesadelo.


Comentários