Palavrão - Jornal Fato
Colunistas

Palavrão


A rua é o melhor lugar para aprender palavrão da moda. Vez ou outra ouço xingamento novo e preciso consultar o Google ou amigos mais descolados no assunto para entender o significado do que anda na boca do povo. E vamos combinar que, em se tratando de insulto, o brasileiro é sempre muito criativo.

 

Há pesquisas - pasmem - que sugerem que pessoas que falam palavrões com frequência têm vocabulário mais rico e melhor compreensão do significado das palavras, indicando a presença de um maior conhecimento linguístico. A educação brasileira, então, está a salvo.

 

Logo, lembro uma entrevista de Dercy Gonçalves, no programa Roda Viva, em 1987, quando já se aproximava dos 80 anos. Rodeada de conceituados jornalistas e teatrólogos, a atriz deu uma aula do que seria palavrão, na sua visão e experiência de vida, quando lhe perguntaram se seus shows lotavam porque o brasileiro gostava de sacanagem, baixaria, enfim. A grande dama do teatro respondeu com sua peculiar sinceridade: "Não, o brasileiro gosta de rir e eu faço a plateia rir. Se os desrespeitasse, a casa não vivia cheia".

 

Palavrão - segundo Dercy - é tudo o que desrespeita a pessoa, o público, o artista. É combinar e não cumprir, coisa comum na vida de quem vive de cultura no país. É num dia homenagear um artista e no outro negar-lhe espaço para apresentação, apoio e patrocínio.

 

A moral do brasileiro não admite palavrão na imprensa, no teatro, no cinema, na literatura. No futebol, é tolerável. Afinal, como assistir Vasco x Flamengo proferindo palavras do mais alto calão? Sem chance. Mas nos tornamos compassivos com as palavras corrupção, fome, miséria, guerra e estupro, por exemplo, nas manchetes dos jornais e noticiários de rádio e TV.

 

Quem dera se os verdadeiros palavrões - aqueles que denigrem a imagem do país - incomodassem os brasileiros tanto quanto essas @%$&* que ouvimos por aí. Voltando a Dercy: "Palavrão, meu filho, é condomínio, palavrão é fome, palavrão é a maldade que estão fazendo com um colírio custando 40 mil réis, palavrão é não ter cama nos hospitais".


Comentários