O Senhor do Tempo - Jornal Fato
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O Senhor do Tempo


Desde jovem ele tinha o costume de consultar as horas, a qualquer momento e em qualquer lugar. Em casa, mesmo quando estava assistindo à TV, vendo alguma partida de futebol ou um filme qualquer, consultava frequentemente seu relógio de pulso. Se se levantava e ia ao banheiro ou à cozinha pegar um copo d'água, olhava para o relógio de parede, acima da geladeira. Se estava na rua ou trabalhando, de tempos em tempos, quase sem se dar conta do que fazia, levantava o pulso direito para dar uma conferida rápida e saber que horas eram. Isso lhe dava uma sensação - falsa -de poder; de, sabendo sempre que horas eram, ter domínio sobre o tempo.

 

Ele sabia exatamente quanto tempo levava para ir de casa ao trabalho, fosse a pé, de carro ou de ônibus. Se alguém lhe perguntava qual a distância de um determinado ponto da cidade a outro, ele respondia em minutos ou em horas, não em centenas de metros ou em quilômetros. Afinal, ele era o senhor do tempo, pelo menos assim pensava e assim se sentia. Sabia os minutos exatos que levava para tomar o café da manhã, para almoçar e para jantar; até para tomar um sorvete ou escovar os dentes ele sabia. Conhecia o tempo exato para ferver a água do café ou para assar um bolo; sabia quantos dias demoraria para as sementes de milho germinarem ou para uma fruta amadurecer; podia dizer com precisão quantas horas até o sol nascer ou se pôr.

 

O que ele não sabia, contudo, é que o tempo não tem senhor, ele é indomável; o tempo é senhor de si mesmo e de todos nós. Ele passa por nós sem que percebamos - achamos que nós é que passamos por ele, ora que tolice! Num dia somos jovens, belos e fortes; pouco depois, ao nos olharmos no espelho quase não nos reconhecemos. E assim, repentinamente, o tempo nos torna mais velhos e frágeis; raleia e encanece nossos cabelos e esmaece nossas lembranças e memórias. Mas também nos torna mais maduros e humildes, quando admitimos nossa pequenez diante dele e com ele aprendemos.

 

Ele confundia vigiar o tempo com dominar o tempo - e não se pode dominar o que é indomável. No final das contas, ele perdia tempo - que nesse caso é o mesmo que desperdiçar vida - tentando controlar algo que jamais seria possível. Deixava de fazer pequenas coisas preocupando-se em saber quanto de seu tempo estava gastando fazendo outras.

 

Ele demorou a compreender que, se por um lado o tempo fragiliza nossos corpos, por outro torna nossos espíritos e mentes mais fortes e flexíveis. Se nos toma a força de nossa juventude com u'a mão, com a outra nos presenteia com a sabedoria que somente os anos podem nos conferir; perdemos por um lado, ganhamos por outro. E assim, se permanecermos atentos e soubermos aproveitar o que nos é oferecido, no final das contas saberemos como compensar nossas perdas.

 

 


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