Nostalgia - Jornal Fato
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Nostalgia


Márcia encontrava-se como em tempos antigos, tempos da civilização grega, encontrava-se nostálgica. Com uma saudade dolorida do seu quase amor. Apresentava uma lembrança com dor. Lembrava Silvio. Um sentimento único, nunca experimentado ou vivido. Apenas sonhado. Apesar de carregar dentro de si o sentimento, apesar de alimentá-lo sutilmente, e silenciosamente, apesar de desejar vivê-lo: retornara ao casamento. Reativava um matrimônio desgastado de muitos desencontros. Quando encontrou Silvio, meses atrás, apresentava-se vulnerável. Uma das razões do encantamento. Algo diferente encontrou. Diferente no olhar, no cheiro, nas coisas não explicadas. Coisas que despertaram uma paixão nunca experimentada. Um desejo intenso de entrega total: física e emocional. Quando da decisão de não atender as ligações telefônicas do Silvio, o número na tela do telefone celular demorara em se apagar. Visualizava o número, o nome encontrava-se em sua mente, gravado nas imagens do seu desejo. O som da ligação no seu celular despertava o desejo reprimido. Os dias após aquele telefonema foram angustiantes.

 

Gradativamente a vida voltava à sua rotina. Trabalho pela manhã e tarde, filhos na escola, encontros com amigos e a conciliação com o marido. Mas, a todo instante retornavam as lembranças. No vento forte: a voz; na brisa do mar: as lembranças do cheiro de Silvio. Na brisa do mar surgiam o olhar carente, a postura e o chamamento desejoso. Enxergava o que os olhos não viam. Eram instantes desejados. Sem chance de se realizarem. Por instantes, a racionalidade era jogada às traças. Sentia-se viva com o sentimento. Sentia-se viva com os seus desejos. Desejava querer, mais que realizar o seu desejo. Um pensamento confuso e conflitante: desejar era tão necessário quanto realizar seus sonhos. Logo depois, seguia a rotina diária e a vida sem riscos. Passaram-se meses. Márcia, por muitos momentos, vivia conflitos. Recusa e esperança de encontrar seu amor quase perfeito. Acreditava no acaso. Vivia alternante, um vazio em seus momentos de silêncio, em seus pensamentos e devaneios, nos momentos em que o sono demorava em domar as lacunas de sua vida. Certa manhã acordara decidida, procuraria seu amor não experimentado. Procuraria a clínica e marcaria uma consulta. O verão se aproximava e necessitava renovar os cremes protetores do sol. Quando lá chegasse, perguntaria à secretária de sua médica sobre a data da consulta anterior. Sondaria sobre o Silvio. Do Silvio lembrava o médico, especialidade e o motivo da consulta, bem como a data.

 

 Além do número do telefone, obteve o endereço de trabalho do Silvio. No mesmo dia, em fim de tarde, encontrava-se bem perto dele. Um leve toque no celular, uma chamada apenas. A resposta foi imediata, quase uma mensagem telepática. Como se ele estivesse esperando sua ligação, embora com tanto atraso. Ouviu um alô profundo. Márcia permanecia calada, nada respondia. Ouviu diversos alôs, sentia a respiração do Silvio. Um longo e demorado silêncio, uma eternidade. Após o silêncio, o número na tela do celular desaparecia. Reapareceu em segundos. Nada mais ouvia. Girou a chave de ignição do carro. Deu partida em direção aos filhos que esperavam na porta da escola.

 

Sergio Damião Santana Moraes

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