Miudezas - Jornal Fato
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Miudezas


A vida anda chata. Chata de tantas notícias desesperançosas, que nos tiram o estado de graça. Até as conversas - aquelas de botequim, salão de beleza e arquibancada - andam chatas. Troca-se a inocente conversa fiada pelo duelo entre os cheios da razão. As festinhas - quem diria - também estão chatas. De uma chatice que é comum sair à francesa quando um outro convidado insiste em nos incluir na chatice dele. As redes sociais então... precisam de benzeduras.

 

Daí a leitura, meu habitat. É quando me isolo em minha própria estranheza para observar as miudezas da vida, as coisas imprestáveis e jogadas fora, como escreveu Manoel de Barros. Quando a vida também me convida a tirar lirismo das pequenezas: as romãs do quintal de tamanho que surpreenderia até os mais experientes produtores; as melancias que cresceram a partir de despretensiosas sementes lançadas ao vento; as tímidas roseiras despontando na cerca próxima; os beija-flores curiosos na varanda e a brisa que sopra devagar como quem está prestes a se enamorar.

 

Manoel de Barros, o poeta das miudezas, nos ensinou em seus poemas escritos no isolamento no Pantanal, quão maravilhosa é a natureza primitiva em seus versos. Longe da civilização escreveu 20 livros de poesia. "Neste recanto, invento artices. Olho para cima, leio e releio páginas de livros, respondo a cartas, faço aviões de papel, vou até a infância e volto", disse numa entrevista.

 

Assim, vejo as miudezas da vida naquilo que quase não se vê. Quase uma tarde de outono, quase uma despedida, quase um amor. Talvez uma simples poesia que de tanto procurar encontrou uma página, um olhar, um querer. Um mínimo que seja de observação sobre o quase tudo ou o nada, simplesmente. Sobre o que vejo ou o seu avesso. Dessas insignificâncias que podem mudar o dia: 'derrepentes' perto de nós.

 

Ando ocupada com essas pequenezas, demasiadamente perigosas diante dos delírios da grandeza. Distraída, "caminho todas as tardes por estes quarteirões desertos, é certo. Mas nunca tenho certeza se estou percorrendo o quarteirão deserto ou algum deserto em mim".

 

Manoel, só você para me salvar das coisas-daqui.

 


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