Infarto - Jornal Fato
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Infarto


Acordou no meio da noite, devia ser lá pelas duas horas da madrugada, com um incômodo, uma dorzinha chata no meio do peito - devem ser gases, pensou. Levantou-se, foi até a cozinha e bebeu um pouco d'água. Arrotou e sentindo-se melhor, voltou a deitar, ajeitando o travesseiro e puxando o lençol até os ombros. Acho que não devia ter comido tanto logo antes de ir dormir, pensou, e adormeceu novamente.

 

E então a dor veio mais uma vez, sem avisar e dessa vez mais forte, com muito mais intensidade, acordando-o e arrancando-lhe o fôlego, parecendo que iria lhe cortar o peito ao meio - na verdade, a impressão que ele teve era que o coração iria explodir; estou enfartando, pensou, vou morrer. E a dor piorou ainda mais, deixando seus braços sem força e quase fazendo com que perdesse a consciência. Lembrou-se de algo que havia lido, e agora não importava onde nem quando, que em situações assim deve-se tossir e engolir uma aspirina. Começou então a tossir forte, pegou duas aspirinas e obrigou-se a mastigar e engoli-las.

 

Contudo, contrariando o bom senso, não ligou para o SAMU ou para algum vizinho, parente ou amigo - não podia arriscar-se a perder tempo. Levantou-se, pegou as chaves do carro dentro da gaveta da mesinha de cabeceira, vestiu uma bermuda sobre o calção de pijama e tomou o elevador. Estava despenteado, os cabelos, a barba e a camisa empapados de suor, um suor frio e pegajoso. Meu Deus, que eu não desmaie agora, rezou. Saiu do elevador, entrou no carro e partiu rumo ao hospital mais próximo de onde morava. Dirigiu sozinho por cerca de três, cinco minutos talvez; não havia trânsito àquela hora e foi relativamente seguro furar os poucos semáforos no caminho.

 

Entrou no estacionamento do hospital e parou o carro em frente à emergência pediátrica -na verdade ele abandonou o carro no meio do pátio, até onde ele conseguiu dirigir - e entrou, com estardalhaço, na sala. Estou tendo um infarto, estou morrendo, façam alguma coisa! - disse com voz firme, mas sem desespero. Rapidamente foi atendido, eletrocardiogramas foram feitos e constatou-se um enfarte grave do miocárdio. Foi encaminhado diretamente para o centro cirúrgico e submetido a cateterismo, angioplastia e colocação de stent - antes disso, ligou para um colega de trabalho avisando o que estava acontecendo, e esse amigo só saiu do hospital depois da certeza de tudo normalizado. Após seis dias na Unidade Coronariana teve alta e foi para casa. Hoje ele é um dos poucos que podem comemorar seu aniversário duas vezes ao ano.

 

Fico pensando, tentando imaginar o que passou pela cabeça dele nesse período de tempo angustiante entre a dor lancinante no peito, o atendimento no pronto-socorro, o cateterismo e a recuperação na UTI. Será que ele viu um filme do que fez na vida, dos erros e acertos, talvez? Será que ele faria tudo de novo ou mudaria alguma coisa? Ao visita-lo, ainda na UTI, ele me disse que tudo estava diferente, o sabor da comida, do suco, até o ar que ele respirava era diferente.

 

Bem vindo à vida, Oswaldo!

 

 


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