Desconectada - Jornal Fato
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Desconectada


Confesso que, quando descobri, senti um certo desespero. Eram sete horas da noite de domingo, estava chegando em casa e, mal abri a porta, percebi: havia esquecido o celular em Marataízes. Contei para Lígia e ela imediatamente percebeu a gravidade da situação: "Nooossa, mãe! Tem certeza? Não está no carro? Vou lá olhar pra você". 

 

Antes que ela descesse para uma busca infrutífera, procurei o bichinho nas bolsas que havia trazido. Nada. Procurei de novo. Nada de novo. "Vou ter que voltar lá amanhã, filha". Ela me lançou um olhar de desafio: "Jura? Você não consegue? Eu acho que eu conseguiria". Desconectar quando a gente quer é fácil, pensei. Mas desse jeito... Então me lembrei do feriado, e que na quarta-feira eu já estaria de volta à praia. Declarei bravamente: "São apenas três dias. Eu posso!".

 

Pois foi assim o início de uma experiência reveladora em minha vida. Três dias sem celular fazem a gente se sentir uma estranha no ninho, uma marginalizada, a verdadeira "diferentona": a única que não olha para a tela enquanto conversa com os amigos, enquanto assiste à TV, ou na sala de espera do consultório. Aquela que vai dormir e tem que dormir mesmo, a que acorda e não tem onde verificar se o mundo ainda existe. E não adianta ter computadores à mão. A vida pulsa é no celular, nos e-mails que chegam a todo instante, nos cansativos grupos de whatsapp, na guerra civil que acompanhamos minuto a minuto pelo facebook.

 

Sem nosso aparelhinho, parece nos faltar algum órgão, a ansiedade aumenta e em muitos momentos ficamos sem saber onde botar as mãos, os olhos, a atenção. E olha que eu nem sou uma usuária tão viciada assim - pelo menos era o que eu pensava. Aliás, acho que a questão não deve mais ser tratada como vício em tecnologia. Na realidade, hoje a conectividade é inevitável e indispensável para grande parte da humanidade. Todos sabemos disso, e há milhares de matérias e artigos sobre o assunto, bem como inúmeras teorias que explicam a nossa completa dependência das interações virtuais. Mas não importa a explicação, o fato é que o mundo mudou e nós mudamos. O celular é parte de nossa vida.

 

Mas descobri que nem tudo está perdido. Após o estranhamento inicial, a gente vai se adaptando à falta do celular, e a ansiedade volta aos níveis normais. Hoje sei que poderia viver sem ele e que talvez fosse bom. Eu terminaria os livros mais rapidamente, prestaria mais atenção à TV e buscaria alternativas para ocupar meu tempo livre - poderia até voltar às caminhadas, quem sabe. Não viveria tão angustiada com a violência e a ignorância absurdas que nos assaltam a todo instante nas redes sociais. E o mais importante: eu de novo teria tempo para sonhar antes de dormir. Só isso já faria valer a pena...


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