De pedras e flores - Jornal Fato
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De pedras e flores


Queria escrever sobre várias mulheres nesse mês em que tratamos de lutas, tabus, preconceitos e conquistas. Mas escolhi discorrer sobre Cora Coralina, a quem recorri por diversas vezes em períodos de sonhos e aridez. Dela é o poema Aninha e Suas Pedras: "Não te deixes destruir... ajuntando novas pedras e construindo novos poemas. Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça. Faz de tua vida mesquinha um poema. E viverás no coração dos jovens e na memória das gerações que hão de vir. Esta fonte é para uso de todos os sedentos. Toma a tua parte. Vem a estas páginas e não entraves seu uso aos que têm sede."

 

Cora nasceu Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, em agosto de 1889, na cidade de Goiás. Filha de um desembargador e uma dona de casa, passou sua infância e adolescência na velha casa da ponte, transformada em museu. Deixou para trás a cidade e o conservadorismo imposto às mulheres à época na busca de seus sonhos.  Uma mulher muito a frente do seu tempo.

 

Autodidata, cursou somente até a quarta série. No entanto, essa falta não a impediu de escrever contos e poemas, superando limitações por meio de leitura de livros, jornais e revistas e, principalmente, por ser uma atenta observadora do cotidiano.

 

A figura romântica da velhinha que começou a escrever após os setenta anos nunca existiu. Na biografia "Cora Coralina - Raízes de Aninha", de Clóvis Carvalho Britto e Rita Elisa Seda, está publicado o texto Floração, escrito por Cora aos 14 anos. Apesar da militância desde cedo na escrita, Cora sempre se definiu como doceira, profissão que exerceu por mais de vinte anos para se sustentar. Foi nesse tempo que, em meio aos tachos de cobre, conseguiu desenvolver seu talento como escritora. Publicou seu primeiro livro aos 76 anos e ainda pôde ver sua consagração na literatura.

 

Em 1965, quando Cora publicou seu primeiro livro, foi o período em que o movimento feminista estava começando a se consolidar. Mas ela já denunciava muitos antes em seus escritos os preconceitos com relação à mulher. Denunciava e incentivada outras mulheres a escrever contra seus opressores. Apesar das críticas e de não ter sido de imediato aceita, conseguiu despontar como escritora, após elogios de Carlos Drummond de Andrade, em 1980.

 

Cora foi uma mulher de recomeços e por isso teve muito a nos dizer na literatura e na vida. Uma mulher visionária que muito antes dos movimentos ambientalistas se preocupava com a sustentabilidade do planeta, com a saúde e a qualidade de vida das pessoas. Uma cidadã politizada, uma escritora que vivia a cultura e se envolvia com a cidade. Uma vida de pedras e de flores, como sempre utilizava em suas metáforas. Uma mulher que vivia em estado de graça com a poesia, como um dia lhe escreveu Drummond.

 


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