De abismos e de monstros - Jornal Fato
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De abismos e de monstros


quele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você. Friedrich Nietzsche.  E, como se fosse possível complementar a frase acima, eu diria que o abismo, além de olhar para você, pode terminar por lhe hipnotizar e engolir, absorver e anular.

 

E quem seriam os monstros e os abismos a que se refere o filósofo alemão? Poderiam - por acaso - ser os monstros que habitam meu inconsciente, nascidos e criados desde minha mais tenra infância. Poderiam também ser os medos adquiridos e alimentados ao longo da minha vida. Ou poderiam ser os adversários e inimigos que por acaso fiz, voluntaria ou involuntariamente, durante minha caminhada. Também poderiam ser aquilo que eu combato, as ameaças que eu enfrento, sejam para mim ou para outrem. E os abismos, o que seriam os abismos? Seriam a minha entrega àquilo que eu combato, minha rendição? Seria eu ceder aos meus medos e fraquezas, anulando-me? Minha derrota final perante meus contendores? Sei que o correto seria ler o texto ao qual a frase pertence, para poder tentar compreendê-la em sua totalidade, mas não foi possível.

 

Vamos então trazê-la aos nossos dias, e aplicá-la à nossa surrealidade tropical, que tal? Poderemos então inferir que os monstros, hoje, são os corruptos - os políticos, sim, por que não? - que vilipendiam de maneira odiosa e contumaz os cofres públicos e enviam a conta para o contribuinte, com a maior desfaçatez. Podem ser os empresários que exploram seus empregados, utilizando-os como se fossem meros meios de produção e não seres humanos. Também podem ser, de maneira mais óbvia, aqueles a quem comumente chamamos de monstros: os homicidas, estupradores, traficantes; os criminosos em geral, enfim. E finalmente cairíamos no abismo quando, ao invés de combatermos os corruptos, mesmo sabendo que podemos fazê-lo, e como, nos omitimos. Quando podemos mudar, pelo voto, nossa realidade, nos ausentamos. Quando podemos enfrentar a bandidagem, nos acovardamos.

 

Mas afinal qual seria a maneira mais adequada de se lutar contra monstros - quaisquer que sejam eles - senão conhecê-los, e conhecê-los bem? Como vencer meus inimigos, interiores ou não, meus medos e receios; como ultrapassar os obstáculos que se opuserem no meu caminho sem saber como eles são? Qual outro modo de medir e transpor o abismo, senão encarando-o? Cautela, esta é a palavra; prudência. Estudar, conhecer os monstros de cada dia, mas não me igualar a eles, nunca. Saber seus hábitos, mas não adotá-los; saber como pensam, mas não comungar de suas ideias. Saber onde vivem, mas não me misturar com eles. Fazer com que pensem que sou um igual, sem jamais sê-lo. E enfrentar o abismo com os pés bem fincados no chão, com os olhos fixos no outro lado.

 

Todos temos nossos monstros, nossos abismos, sejam eles pessoais ou coletivos. Deixar de enfrentá-los não é a melhor escolha, de maneira alguma.

 


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