Dasdô - Jornal Fato
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Dasdô


Dasdô era muito bonita, de verdade: alta, de curvas generosas; o corpo roliço, porém firme. Cabelos pretos cacheados caindo sobre os ombros; os olhos dum verde esmeralda capazes de hipnotizar qualquer homem que por acaso ousasse cruzar seu olhar com o dela. Pernas naturalmente torneadas, as coxas grossas, na medida exata. A boca - ah, a boca - perfeita como uma orquídea, os lábios vermelhos, carnudos, emoldurando os dentes brancos, sempre prontos para sorrir. A pele, morena, realçava os pelinhos dos braços e das pernas, aloirados pelo sol. Como se costumava dizer, era uma mulher de fechar o comércio - se bem que outros diriam que ela era chave de cadeia, na certa.

 

Senhora de si, sabia muito bem os efeitos que sua presença causava, tanto nos homens quanto nas mulheres. Naqueles, boquiabertos sempre que a viam, os sintomas variavam de torcicolo agudo a catalepsia hipnótica crônica, quando os olhares a acompanhavam indo ao mercado, usando um vestidinho de chita estampado e sandálias de dedo, os cabelos soltos e a voz doce dizendo bom dia, seu Manoel, tudo bem? Naquelas, um rubor colérico que subia do pescoço às faces, acompanhado por um leve tremor nas mãos, a boca crispada, denunciando o ressentimento que nutriam por aquela mulher, tão jovem e bela e ao mesmo tempo tão sem vaidade. A vida realmente era injusta, muito injusta, pensavam com seus botões.

 

Contudo, enganava-se quem não a conhecia ou pensava que Dasdô era só inocência e pureza. A cada espiada libertina dos admiradores ou olhar colérico das suas antagonistas, ela se tornava mais forte, viva e bela. Nutria-se da admiração dos homens e da inveja das mulheres; era implacável com os homens que cruzavam seu caminho e caíam sob seus encantos. Seduzia a quantos podia, indistintamente: jovens ou maduros; solteiros ou casados; a ela não importava, colecionava-os como quem coleciona borboletas, trespassando-as com alfinetes e fixando num quadro na parede. Seduzia, envolvia os infelizes com sorrisos, insinuações, promessas e carinhos, para em seguida os descartar, antes do prazer final. Eram caça, apenas isso.

 

Até que um dia - e sempre chega esse um dia - foi ela a presa a cair na armadilha do caçador. Você é a Maria das Dores, não é? Perguntou o estranho recém-chegado à cidade. Ela se virou para responder sim, por quê? mas, ao fita-lo, calou-se e sentiu o coração parar e em seguida disparar, fora do ritmo, descompassado. Alto, moreno, cabelos curtos, negros como seus olhos, ele a fitava fixamente. Vim aqui para lhe entregar isso, ele disse, um meio sorriso nos lábios. Uma rosa vermelha surgiu em uma de suas mãos, ele a estendeu e ofereceu a Dasdô. Ela aceitou a rosa e a pegou, aspirando o suave perfume da flor, ainda sustentando o olhar do estranho bonito.

 

Mas por quê, quem é você? - ela perguntou. Eu sou aquele por quem você espera, há muito tempo, mesmo sem saber - ele disse. E até hoje ninguém na cidade entende porque Dasdô, tão bonita, coitada, de uma hora para outra passou a perambular pela ruas, dia e noite, com uma flor seca nas mãos, e um sorriso torto nos lábios.

 

 


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