Cansaço - Jornal Fato
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Cansaço


Num dia comum como qualquer outro, ele acordou e descobriu, repentinamente, que se sentia cansado, muito cansado. Mas não sabia o porquê, exatamente. Sua aparência, seu corpo, não acusavam ainda os infindáveis invernos que atravessara. Ele também não demonstrava, mas seus ombros doíam e lhe causavam a impressão de estarem levando uma carga muito maior e mais pesada que sua própria vida. Aliás - tivera que reconhecer, anos mais tarde - era isso mesmo que eles carregavam, toda a sua vida, e isso incluía suas lembranças, seus amigos e parentes, para onde quer que fosse.

 

E as suas memórias eram ao mesmo tempo uma carga pesada e suave. Às vezes ele se pegava momentaneamente entristecido pela ausência dos que aprendera a amar e admirar; sentia falta deles no seu dia a dia. Mas essa sensação passava rápido. Por vezes sentia a necessidade de ter alguém com quem conversar e se aconselhar, compartilhar suas ainda muitas dúvidas, de que maneira resolver uma determinada situação. Contudo, não havia mais ninguém a quem pudesse recorrer. Ele, agora, era a referência que antes via em outras pessoas. Ele, agora, deveria apontar os caminhos a serem seguidos e dar as respostas para as perguntas em aberto. Essa era sua missão.

 

Ao mesmo tempo, quando se recordava dos que se foram, sentia que seu coração se aquecia com essas lembranças e, por vezes, se surpreendia sorrindo, sozinho. Algumas vezes, inclusive, até mesmo falando alto se pegou, como se estivesse se aconselhando com alguém que há muito já estava ausente. Assim, os fatos de que se recordava o ajudavam a lidar com sua rotina e a preparar da melhor forma possível o caminho dos que viriam depois dele.

 

Ele percebeu, também que de uns tempos para cá passou a existir em seu espírito uma confusão de sentimentos. O que antes se parecia com a superfície plana de um lago congelado agora era um mar encrespado, de águas revoltas. Notou também que agora se emocionava com coisas que antes não lhe afetavam - seria um sinal de que estaria realmente ficando velho? Compreendeu, então, que essas coisas que estava sentido eram justamente as que os mais velhos sentiam quando ele ainda era uma criança. A necessidade de se estar mais próximo de quem se ama, e por mais tempo; a saudade dos amigos distantes, queridos.

 

Nada disso, contudo, o impedia de fazer o que tinha que fazer, ou o atrapalhava a tocar sua vida em frente. Possuía assim, ao mesmo tempo, a capacidade de sentir coisas novas, diferentes e analisar racionalmente o que se passava com ele. Por isso conseguia chegar a essas conclusões. Apenas se lamentava - mas não se arrependia - por não haver enxergado as coisas dessa forma há mais tempo. Se o tivesse feito, teria apreciado mais a passagem do tempo, teria usufruído mais a companhia das pessoas que o rodeavam e a quem tanto amava.

 

Teia amado mais e perguntado menos.

 


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