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A pilha de cadernos nos finais de semana foi substituída pela lista de e-mails não lidos na caixa de entrada. Não carregava mais o peso das lições de casa acumuladas em cadernos de arame e pastas catálogos. A modernidade serviu pra alguma coisa. Mas não tirou dela a responsabilidade de horas e horas de seus sábados e domingos em que esteve debruçada sobre textos, projetos e provas.

 

Foram muitas ausências. De festas de família a happy hours com os amigos. A desculpa era sempre a mesma: planejar a semana seguinte, corrigir, inventar novas fórmulas de manter os alunos interessados na disciplina. Vinte anos repetindo para si mesma que no ano seguinte tudo melhoraria. Teria tempo para almoçar e mais horas de sono; férias que não fossem apenas no papel e uma remuneração que não precisasse fazê-la trabalhar em três turnos.

 

Mas, como acontece em várias categorias, a realidade é sobrepujada pela ideia de que ensinar deixou de ser um ofício da mais alta importância. Que os "de fora" dissessem ou pensassem isso, vá lá. Mas era inadmissível para aquela professora ouvir tal afirmação de um colega de profissão. Entristecia-lhe a falta de reconhecimento, afinal há um trabalho anônimo e silencioso realizado por muitos que não abrem mão da vocação.

 

Exemplos? Os muitos materiais custeados pelo professor que quer um bom resultado da turma no final do bimestre. Cópias, impressões coloridas, livros, lanches e viagens para os alunos que não podem pagar. A insistência com o aluno de grande potencial, mas indiferente ao conhecimento e aprendizado. A capacidade de engolir muitos sapos - os deles, os seus e os meus. Sem contar a capacidade de reinventar-se com novas propostas criativas que provoquem entusiasmo na turma.

 

Por que continuar? Às vezes pergunto aos amigos e familiares dedicados a essa árdua missão. O ambiente escolar não tem sido dos melhores, me asseguram. E nem sempre a remuneração é a principal queixa. Faltam reconhecimento, segurança e, principalmente, respeito ao professor. Por que, então, insistir na vocação?

 

Uma breve história talvez possa responder: uma amiga professora me conta, feliz da vida, que um de seus alunos foi selecionado para as Olimpíadas de Português. Me conta orgulhosa, como uma mãe fala de um filho. Emocionada, diz que valeu a pena as horas a mais dedicadas àquela turma que se dispôs a aprender mais e participar do evento. Sim, leitor, vale a pena quando a alma não é pequena. Vale a pena ensinar.  


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