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Sem formalidades, o trataram na morte com o mesmo carinho que provavelmente receberam em vida


 

O dia era apenas mais um em busca da matéria perfeita, de comportamento, em que precisava de um personagem interessante, após "vender" a pauta para o meu editor Paulo Maia (de saudosíssima memória), que também se empolgara pelo tema.

 

Confesso que não me lembro exatamente qual seria o mote da matéria, mas sai atrás do meu texto, contando com o apoio do marido de uma colega de redação, tão tímido quanto eu, mas de uma facilidade impressionante para o relacionamento com todas as pessoas naquela comunidade que visitamos. E de uma boa vontade e desprendimento de dar gosto.

 

Não estou muito certa, mas creio que foi a partir desse suporte que conheci Almir Lima Barros, há cerca de 25 anos, quando provavelmente nem sonhasse com a vida pública. Se sonhava, sua discrição o impedia de se expor a uma estranha a quem fazia a gentileza de acompanhar, a pedido da esposa, a jornalista Rosângela Venturi, minha colega de redação, amiga de longa data.

 

E foi exatamente na busca desse personagem perfeito que um fato, possivelmente corriqueiro na vida de Almir, me chamou a atenção. Bem recebido em todas as casas, numa foi especialmente acolhido com beijos, abraços e um pedido de benção bastante respeitoso a uma senhora já idosa, que foi por ele reverenciada de forma simples, mas intensa e marcante.

 

Percebi naquele momento, que dispensava o mesmo tratamento a todas as pessoas, desde as que moravam em casas confortáveis, " de rico", a pessoas de casas tão simples, mas impecavelmente limpas e acolhedoras como a daquela senhorinha.

 

Na verdade, creio que ele atraia aconchego porque oferecia amor de sobra, sem medida, a quem tinha o privilégio de sua discreta convivência. Já naquela época, vencia a invisibilidade reservada aos pobres e vulneráveis com respeito e solidariedade.

 

Esse Almir se tornou o prefeito de sua cidade, muitos anos depois, e pude perceber, no seu velório, o silêncio reverente ou a lágrima emocionada de homens e mulheres, jovens e velhos, que eram unânimes ao afirmar, em palavras simples ou rebuscadas: eu nunca vou esquecer o Almir porque ele sempre se importou comigo.

 

Sem formalidades, o trataram na morte com o mesmo carinho que provavelmente receberam em vida. E essa finitude às vezes tão surpreendente, para mim, mais do que nunca, é motivo de reflexão. Almir Lima Barros, prefeito de Atílio Vivácqua, certamente tinha defeitos, humano que era.

 

Mas entre eles não estava a sede de poder e a ganância. Sabia que o cargo era transitório e seguia sua vida, simples e com a tranquilidade possível, num ambiente impiedoso e cruel, o mundo cão da política.

 

E aquela senhorinha do abraço afetuoso, de quem já havia me esquecido, estava lá, cercada de tantas outras pessoas, prestando a sua última e reverente homenagem. É a lei do retorno, a tal da reciprocidade. Mais uma mensagem sobre amar ao próximo como a si mesmo vivenciada na prática. Que a lição seja maior que a dor que por hora parece infinita.

 


Anete Lacerda Jornalista

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