Os badalos que ecoam na alma - Jornal Fato
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Os badalos que ecoam na alma

Essa semana fiz uma matéria sobre o badalo de um sino que se desprendeu exatamente no momento em que cumpriria sua função às 6h


- Foto Reprodução Web

Aparentemente o sineiro seguiria em mais um dia tranquilo de sua missão de fazer ecoar a mensagem de fé através do som metálico que já se incorporou à rotina dos moradores, mas não foi isso que aconteceu.
Na cidade é costume que a peça alemã quase centenária toque pela manhã, às 12h e às 18h. E também em épocas de tragédias, como enchentes e incêndio, alertando a população, que já reconhece o recado dado através das badaladas diárias e noturnas.
A peça se desprendeu num dia, e no outro, na hora das últimas badaladas do dia, já estava ecoando sua mensagem. Era um som tão importante, que dizia tanto, que não poderia se ausentar por mais tempo.
No retorno, talvez ecoasse mais alegremente, quem sabe refletindo o espírito aliviado e feliz de quem balançava suas cordas.
Tradição na pequena cidade do sul capixaba, fez com que eu relembrasse a minha infância assim que me mudei para Cachoeiro, quase aos sete anos de idade.
Não sabia o significado daqueles badalos rotineiros, mas amava ouví-los todos os dias. Eles regulavam a hora de levantar, de almoçar, de parar com as divertidas brincadeiras nas águas Rio Itapemirim nos fundos de casa.
Bateu um saudosismo danado dos velhos tempos de outrora. Em que não se sabia muito bem o que era felicidade ou infelicidade.
Em que brincar à exaustão, escorregando nas folhas do coqueiro pasto abaixo fazia tudo parecer festa.
Em que estudar e escrever eram um desafio, já que começava a escrita do lado contrário da folha. A minha vida de canhota nos primeiros dias em sala de aula não foi fácil.
Não entendia porque a professora insistia em me mandar começar a escrita do outro lado da folha. Resisti por um tempo, mas depois obedecia. Fazer o quê?
Realmente fui uma criança feliz. Subi em árvores, andei em cavalo no pelo, corri, nadei, andei de bote escondido num tempo do Itapemirim das águas abundantes.
Como é bom lembrar que já fui muito mais corajosa do que sou atualmente. E as lembranças fluíram a partir de uma matéria aparentemente comum e desimportante de um badalo de um sino que se desprendeu.
Como se desprenderam tantas coisas pesadas de mim ao longo do caminho. Umas que voluntariamente deixei para trás, por mais que sentisse falta de seus "badalos" por um bom tempo.
E outras que joguei fora porque não quero mais carregar fardos desnecessários, como já fiz durante muito tempo da minha vida.
Hoje quero o prazer gostoso de ouvir os badalos que me tragam as melhores lembranças e os maiores afetos.
Quando quiser, porque hoje não me sinto obrigada a nada, posso mandar reparar os badalos essenciais e imprescindíveis. E que venha 2022 com toda a sua energia.


Anete Lacerda Jornalista

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