O rito de passagem da democracia brasileira - Jornal Fato
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O rito de passagem da democracia brasileira


A jovem Nova República Brasileira completa 33 anos em 2018 e, com essa idade, há o perigo de algum mártir assumir o papel de Cristo. O trocadilho baseia-se no fato da população se colocar nas ruas a partir das Jornadas de Junho de 2013 e manifestar-se, num espírito cívico histórico, em favor de instituições políticas coerentes e mais justas, como devem ser os órgãos que representam a coletividade. O recado foi dado e as eleições de 2014, ou melhor, o projeto de governo vencedor do pleito eleitoral e demais poderes deveriam ser sensíveis às vozes do povo e dado um passo além na nossa democracia. O Impeachment de Dilma Rousseff e as práticas legislativas, judiciária e executiva provaram que o recado não foi ouvido.

O governo Dilma continuou com o mesmo modelo de fazer política, comum das décadas anteriores, marcado pela coalizão à base de cargos governamentais e domínios nas estatais. Esse jogo é muito arriscado, principalmente pelo fato dos personagens que assumem esses papéis não possuírem, quase sempre, uma ligação visceral com a filosofia do partido, e sim com os interesses próprios, longe de manifestar o respeito ao bem público. Pedaladas Fiscais, corporativismo partidário, corrupção, petrolão e demais escândalos colocaram o país rachado, desde as eleições de 2014, em rota de colisão com o poder executivo. O processo de Impeachment o qual afirmo: teve entendimento diferente perante a Lei de Responsabilidade Fiscal em comparação com Lula e FHC, destituiu a presidenta Rousseff.

O caminho de derrubada de Dilma passou por um processo nas duas câmaras legislativas nacionais, dos Deputados e Senadores. A cobertura televisiva e as redes sociais deram destaque imenso aos parlamentares, nas comissões de análise processual e no rito do impedimento. Foi realmente vexatório! A sociedade se escandalizou com os indivíduos que compõem o nosso poder legislativo. Entraram em evidência parlamentares com inúmeros processos judiciais acusados de corrupção, votando em nome do trinômio "Deus, pátria e família". Resta saber qual Deus defender, num país laico e, além do mais, que modelo de família está sendo colocado como ideal. O episódio foi tão estranho que, fora dos holofotes, o Senado não proibiu Dilma de se reeleger nas próximas eleições, procedimento diferente ao tratamento do ex-presidente Collor em 1992. Nossas leis passam pelo entendimento dos senhores dessas casas de leis...

A presença do judiciário em toda essa trajetória foi (e ainda é) marcante! Destaco a recente prisão de Lula. Apesar de ter votado no petista desde 1998, entendo que os cidadãos que ocupam os cargos públicos exercem a função de trabalhar para o povo, sobretudo no caso de posições eletivas. Logo, com a Social Democracia no horizonte, acreditei no projeto do citado partido para veiculação dessa perspectiva e fiquei escandalizado com as inúmeras denúncias contra esse mesmo partido e, finalmente, contra Lula. Acompanho seu processo desde então, ouvindo especialistas midiáticos e colegas de trabalho no ambiente universitário, uma vez que não possuo conhecimento total de causa e acredito que ninguém deva estar acima da lei. Porém, uma condenação em tempo recorde que não respeitou todas as instâncias judiciais, num processo extremamente contraditório, com denúncias de juízes e funcionários públicos ligados a partidos políticos, vazamento de informações à mídia em trâmite processual e de negação ao Habeas Corpus, colocam o poder judiciário em cheque. A justiça não se mostrou cega!

Apesar de personagens importantes e reconhecidos em todo país serem alvos de debates e análises, sinceramente, minha preocupação é conosco, com o indivíduo comum, o cidadão que trabalha todos os dias para sustentar sua família, pagar seus impostos e ter uma vida digna. Se essas pessoas tiveram julgamentos (em todos os poderes) questionáveis, imagine o que pode ocorrer conosco? Precisamos abandonar as paixões e crenças messiânicas num mítico salvador da pátria, nem querer o retorno de um passado heroico que jamais existiu e nunca existirá! O que o país precisa é que cada indignado com o momento atual coloque a Constituição "debaixo do braço" e assuma uma posição de ação num partido político, numa ONG, dentro das igrejas, escolas, associações de moradores, turma do passeio de motociclistas e tantos outros espaços onde o diálogo seja constante e que evolua para uma democracia social, com mais ações práticas que vislumbrem o bem comum.

Acredito que a nossa jovem democracia esteja vivendo um rito de passagem, doloroso e difícil como todos são! Olhando em nossa aldeia, vejo Cachoeiro de Itapemirim ainda sonolenta em movimentos sociais com envergadura política, mas sem necessariamente partidária, que coloque as pessoas nas ruas de fato. Criar textos, vídeos em redes sociais e replicar post´s evidenciam nossa opinião, isso é válido, mas e aí? São pertinentes os questionamentos de quantas vezes saímos do celular e nos organizamos a fim de buscarmos aquilo no qual acreditamos. Espero que estejamos mais abertos a ouvir nossos próprios protestos desde 2013 para cá e sabedores de que apenas votar para presidente não resolverá nossos problemas. A História é a prova disso!

 

Rafael Magalhães Costa é Professor de História.


Dayane Hemerly Repórter Jornal Fato

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