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Há uma história sobre uma tribo africana na qual sempre que algum de seus membros comete um erro


Há uma história sobre uma tribo africana na qual sempre que algum de seus membros comete um erro, este é colocado num ângulo central de modo que toda tribo, um a um, passa a pronunciar as qualidades que o errante possui. Isso porque, para esse povo, quando erramos, estamos desconectados do nosso melhor, logo, ao sermos lembrados de nossas qualidades, ampliam-se as chances de reconexão com o melhor de nós.

Grande sabedoria a desse povo! Mas, em nossa sociedade brasileira não a vejo existir. Ao contrário, por aqui, sobressaem os olhares para os defeitos e limitações do Outro. Igualmente, em nosso povo, prevalece uma competitividade que impõe o olhar para os próprios interesses, o que tem tornado menor a necessidade daqueles diversos de nós próprios.

Vivemos em um país de clima, em geral, agradável, sem grandes desastres ambientais e com uma riqueza de variedades de recursos naturais. Até nossa "pequena" Cachoeiro de Itapemirim, em algumas de suas ruas, apesar de não tão verdes como outrora, nos presenteia com uma sombra e outra. Em certos locais ainda conseguimos colher frutos e ouvir os sons dos pássaros que, pelo céu ensolarado, voam livremente.

Nesse país, chamado Brasil, também há grande diversidade de pessoas. Por aqui tem gente de toda cor, gosto e de incontáveis manifestações culturais. Contudo, o que nos faz especiais é o jeito acolhedor, simpático, alegre e sociável de ser. O que nos faz únicos é a capacidade, ainda existente, de nos preocuparmos com as necessidades do Outro. Apesar disso, o rumo que a violência - física, moral e social - tem tomado, nos revela que a sociedade brasileira está desconectada de seu melhor.

Por algum motivo, temos nos esquecido de nossas qualidades e temos deixado o pior de nós sobressair. Assim, ampliam-se os casos de corrupção na classe política, mas também nas pequenas atitudes cotidianas do povo em geral; expande-se o descaso com a dor alheia e predomina o desejo pelo que o Outro tem. E, quando o desejo do alheio, vulgo inveja, entra em cena, muita coisa boa se desconecta e os maus comportamentos sobressaem-se. A primeira a desconectar-se é a moral. Depois vão-se embora a educação, o bom senso, a autodeterminação de vencer e a autocritica positiva, sobressaindo-se a fofoca e outras violências. Assim, sentindo-se pessoas ocas, falar do Outro, para justificar os próprios fracassos, parece ser mais confortável. Ledo engano!

O problema é que, ao contrário daquele povo da tribo africana, por aqui, se fala pelas costas, prevalecendo os defeitos e erros. Parece que muitos brasileiros vivem acometidos de uma catarata social que ofusca as qualidades alheias de modo que, tão somente, enxergam o opaco no comportamento dos que lhes são diferentes, postura que transmuta o povo de acolhedor para gente indiferente.

Assim, urge que, aprendendo com a tribo africana, possamos focar nas qualidades ainda havida nesse povo do Brasil. Em decorrência das diferenças entre as normas e os costumes, mesmo que não coloquemos o agente de uma transgressão no centro de uma roda para lhe proferir elogios, que também não o cerquemos para agredir. Ao contrário, que passemos a orar por ele e a puni-lo sem lhe extrair a dignidade. Quem sabe se, mantendo-lhes a dignidade humana, os transgressores sociais passem a enxergar em si mesmos algum valor e, deste modo, tornem-se pessoas melhores?

Quem sabe se as pessoas, numa visão do senso comum, pararem de apontar o dedo para destruir e passarem a acolher para ensinar, a convivência humana se torne mais harmoniosa e pacífica? Tudo começa com a educação, mas não a tradicional: a comportamental, pois esta sim é o espelho do caráter de um povo.

 

Síntese: Parece que muitos brasileiros vivem acometidos de uma catarata social que ofusca as qualidades alheias de modo que, tão somente, enxergam o opaco no comportamento dos que lhes são diferentes, postura que transmuta o povo de acolhedor para gente indiferente.

 

Katiuscia Oliveira de Souza Marins

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Katiuscia Marins Colunista/Jornal Fato Advogada e professora

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