O discurso da felicidade - Jornal Fato
Artigos

O discurso da felicidade

Ser feliz, hoje, é obrigação. Ao abrir as redes sociais, diariamente, vemos caras e bocas sorrindo, em situações e ambientes extraordinários


Ser feliz, hoje, é obrigação. Ao abrir as redes sociais, diariamente, vemos caras e bocas sorrindo, em situações e ambientes extraordinários. "Todos têm um tremendo cuidado em passar uma imagem de alegria "espontânea", configurando a vida em mil felicidades em estado permanente. Parece-me que não estar feliz faz dos meros mortais indivíduos loucos e ultrapassados.

Se não consegue ser feliz por si só, tem-se a cultura do consumo que alimenta, instantaneamente, a satisfação em substituir. Agora, o perecível assume o lugar da vida plena e dos presentes verdadeiros das emoções e dos afetos. Consumir em excesso anestesia a alma e as necessidades do espírito, costurando falsas sensações de felicidade e de poesia da vida.

Mas, a estética pós-moderna nutre o mascaramento das alegrias, reificando-as. Você passa a ser feliz à medida que propaga a imagem de alegria eterna, mesmo que, por dentro, seus sentimentos estejam em agonia. Mesmo que suas emoções caminhem ao precipício. Tudo pertence à fotografia no sentido de manter intacto o que gostaríamos de viver, embora não seja real. Vira imagem, congelamento de pseudoverdades; orifícios mal cobertos para que não se vejam os buracos, as frestas que insistem permanecer.

Somos a sociedade do consumo, da "felicidade" a qualquer foto, da exagerada valorização do novo, da estética do não envelhecer, dos corpos esculpidos em detrimento de um cérebro bem trabalhado. A pós-modernidade ostenta o vazio, as festas, o tudo que se faz permitido, haja vista não se ter a compreensão exata do indelével, do poder devastador dos gastos e do individualismo maciço. Um niilismo propagador e crescente.

Vivemos períodos descrentes, de apologias ao que se (des) consideram ilegalidades, promiscuidades e imoralidades. Caminhamos, parece-me, sem saber aonde teremos pouso e damos voos cada vez mais baixos e rasos, escamoteando as esperanças. Somos sujeitos que se informam em fontes superficiais e de pobreza linguística. Temos recortes de notícias, refugiando-nos em pedaços de informação, como nos posts e comentários imprecisos. Ao contrário da arte cubista, a qual sugeria a visão do mesmo objeto ou espaço em diferentes ângulos, não inauguramos nos trechos de informação nenhuma visão nem alargamos nosso olhar.

Informações crescem em ramos, mas conhecimento anda encolhido. Está camuflado, com luzes queimadas. Conhecer é processo dolorido, exige embate, desequilíbrio e indagações. Exige da vida interna, do mundo imponderável, que não se apalpa, que não está disponível em "black friday." Mas, muitos acreditam que felicidade do conhecimento está em letras garrafais, anunciadas em programas de TV e se iludem por isso.

Ser feliz não é dever. É direito individual. É presente por se manter vivo, forte e sereno mesmo com todas as danações e os caos que jazem nos nossos dias. É dar crédito à alma, mesmo que resquícios de lama sujem nossas roupas. Não deve ser bem de consumo ou uma invenção de quinta categoria como muito se vê nas páginas de facebook e instagram. A felicidade é nobre, linda, sensível e real, sem obrigações e máscaras. Então, sejamos felicidade; não a inventemos.

 


Simone Lacerda Professora

Comentários