O Amarelo e a Serra - Jornal Fato
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O Amarelo e a Serra

Quando o tempo passa e gradativamente perdemos a força, e desejo, de realizar coisas simples que até então nos fazia feliz


Quando o tempo passa e gradativamente perdemos a força, e desejo, de realizar coisas simples que até então nos fazia feliz, certa melancolia nos invade. Um grau de tristeza que não sabemos explicar, como se morresse uma parte de nós. Uma perda: parte de nós deixa de existir, ainda que a aparência física e membros permaneçam intactos. A perda se apresenta nas lembranças, na capacidade do pensamento, na caminhada claudicante, na lentidão dos passos... Procuramos nos encontrar em outros afazeres: ora nos contentamos; ora entristecemos. A memória é forte nas coisas que incomodam. Incomoda como uma queimação, um fogo que não conseguimos apagar. Queima como queima um ácido em pele. De tudo que sentimos, a maior dor é saber que é algo inexorável. Um caminho sem volta.  A cada dia, cada vez que o tempo se distancia da infância, que se distancia dos detalhes do Cais para os aviões que nunca vi pousar e nem mesmo partir, a cada novo dia, mesmo que não seja ensolarado, mesmo que esteja coberto de nuvens e anunciando as chuvas de muito esperadas, ainda que não possa caminhar, encontro um Cachoeiro que me cobre os olhos por conta de sua natureza. A topografia sulina com suas montanhas permite visualizar a beleza do alto. Talvez seja porque do alto ultrapassamos as mazelas humanas e os nossos sentidos se liberem, ou mesmo porque, do alto suplantamos nossas limitações e damos chances à nossa imaginação. Um desses lugares para admirarmos a cidade é o morro que fica a torre da televisão: Serra das Andorinhas. Os detalhes da serra ficam por conta da turma do Basílio Pimenta, narrarei os caminhos que conheci. Com atenção seguia os que buscavam as coisas no tempo, a corda aparecia na queda d´água que não mais existe e retornava no tronco da figueira que oferecia uma grande sombra. 

De uma chapada vê-se a pedra lascada que fica no distrito de Santa Tereza. Da santa lembro bem do meu tempo de criança. Logo adiante, ouvem-se ruídos, ruídos de água deslizando na pedra: uma nascente, a nascente do Córrego Amarelo. A leitura me trouxe a descrição deste córrego nas reminiscências do nosso cronista Rubem Braga. Ao retornar à cidade se dizia triste, o córrego de sua infância estava morrendo e a piaba não podia mais ser pescada, o córrego virara um pequeno enlameado. Voltei minha atenção ao ruído. Não! Não era água a deslizar-se na pedra, e sim: a lágrima da natureza caindo na pedra. Era a nascente chorando ao saber da tristeza do cronista. Apesar de alguns momentos tristes, o restante do tempo é preenchido por matas, grandes árvores frutíferas, locais que nos levam a acreditar no futuro, e estão praticamente no coração da cidade. Mesmo com o choro e algumas tristezas, Cachoeiro segue nos surpreendendo. Na descida da serra, no bairro São Geraldo, provei do filé com queijo e em seguida da costela. Na ocasião, dias antes, visitara a Serra do sul do país e provei da costela na vala dos campos gaúchos. Tempos atrás, ao descer da Serra da Andorinha, descobri que no sul do Espírito Santo, na Toca do Gambá, era possível uma carne especial sem o bafo nem vala para se preparar a melhor costela.

 

Sergio Damião Santana Moraes


Sergio Damião Médico e cronista

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