Marielle Presente - Jornal Fato
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Marielle Presente


Desde o assassinato da vereadora Marielle Franco, informação e contrainformação se digladiam nas mídias sociais e nos demais veículos de comunicação. Vagabunda, prostituta, traficante, drogada, mulher de traficante e outros adjetivos foram acrescidos à sua biografia, sem que sua família e seus amigos tenham sido respeitados.

A sua execução parece ter sido ignorada por uma parcela da população, ao mesmo tempo que mobilizou milhares de pessoas país afora. Mais que isso, o mundo se comoveu com a interrupção da trajetória de uma mulher que ousou levantar a voz para defender os excluídos com os quais cresceu e os demais espalhados no Rio de Janeiro.

O que impressiona na morte de Marielle é que um dos boatos que se espalhou como praga num grupo de whatsapp foi postado por uma desembargadora, que já tem histórico de preconceito e discriminação. Confesso que não sei o que caberá a ela, já que tenho evitado assuntos e pessoas tóxicas.

O interessante, e muito triste, foi ver pessoas respeitáveis e conceituadas de Cachoeiro repetindo as mentiras divulgadas pela desembargadora logo de manhã. Pessoas bem educadas, elegantes e admiráveis do ponto de vista social. Percebia-se a satisfação no compartilhamento das informações falsas, como se isso justificasse a morte de mais uma mulher pobre, negra e favelada.

Falam da comoção que a morte provocou, como se Marielle não a merecesse. Como se fosse cidadã de segunda categoria, como se não tivesse trabalhado incansavelmente para conquistar respeito e admiração que foram expostos nas manifestações em sua homenagem.

No Espírito Santo, gostaria de lembrar que a morte da médica Milena Gottardi, e de tantas outras mulheres, crianças, jovens, brancas ou negras, também provocou comoção. Milena era branca, rica e profissional bem sucedida. Não foi chamada de vagabunda nem de traficante. Mas era vítima de relacionamento abusivo que culminou em sua morte. As mulheres vítima de feminicídio, violência ou execução não merecem adjetivos pejorativos. Todas merecem respeito e ponto final.

A filósofa Márcia Tiburi, em brilhante análise, diz que a morte da vereadora deu visibilidade "a um tipo de luta à qual as classes dominantes, as corporações e a mídia convencional parecem ter pavor: a luta antirracista, anticapitalista, a luta contra o machismo, pelo direito à cidade, pelos direitos fundamentais das pessoas sem os quais não há vida justa em sociedade."

E disse mais: "... se olharmos do ponto de vista da história de um país racista e escravagista como é o nosso, de um país misógino, de um país em que aos pobres se reserva a morte por fome e abandono, a morte de Marielle Franco surge como uma espécie de fato dedutível em um longo processo de genocídio da população negra, antes usada como escrava, depois como mão de obra barata e, sempre, como descartável."

Então, ainda seguindo a linha de raciocínio da filósofa, Marielle combinava todas as características da indesejabilidade e atraiu todas as formas de ódio, mesmo após a sua morte. "Marielle, embora fosse uma pessoa meiga e amorosa, não andava de cabeça baixa, não se escondia, não tinha uma imagem "dócil" como se espera de mulheres, de pretos e pobres. Marielle não tinha medo e, também por isso, ela foi morta". O artigo de Márcia Tiburi é muito mais longo, mas vale encerrar com mais um trecho do seu texto: "? Essa população não deixará de ressuscitá-la a cada dia como símbolo de luta". Marielle Presente.


Dayane Hemerly Repórter Jornal Fato

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