Fala, Mansur! - Jornal Fato
Artigos

Fala, Mansur!

Crônica minha, publicada no jornal cachoeirense Correio do Sul, de 28/12/1990, quando as cinzas de Rubem Braga vieram definitivamente para Cachoeiro


- Ilustração: Zé Ricardo

(Crônica minha, publicada no jornal cachoeirense Correio do Sul, de 28/12/1990, quando as cinzas de Rubem Braga vieram definitivamente para Cachoeiro, e foram lançadas no Rio Itapemirim. Rubem faleceu em 19/12/1990, há 33 anos passados).

Pois é, lá se foi, também, o velho Braga. Juntou-se ao "Seo" Meirelles, ao Dr. João Madureira e a Newton Braga, seu irmão.

Foi quase que num repente. Sem falar muito, como sempre fez. Que eu sei, avisou apenas a seu velho amigo Gil Gonçalves que a sua hora já estava chegando. E deixou tudo organizado, encomendando ele mesmo a sua cremação. Foi sua última criação. Transformar-se em personagem de sua própria crônica. Pediu para trazer suas cinzas para Cachoeiro de Itapemirim, que ele transformou em Capital Secreta do Mundo.

Morte digna, essa.

Dele, o que fica é a justa e merecida fama de ser o maior cronista da língua portuguesa. Antes, maior cronista vivo, já que somos dados a respeitar os mortos. Agora, maior cronista, simplesmente. Inigualável na sua vocação, talvez seja forte dizer. Mas se tiver de nomear alguém para essa posição, é ele mesmo.

Claudio Abramo, outro que se foi e escrevia como poucos, além de saber como ninguém, disse no seu "A Regra do Jogo" (um dos meus livros de cabeceira) que "leitura imprescindível para quem quer escrever em português é Rubem Braga, um dos maiores escritores brasileiros, que tornou a crônica diária singela, límpida, uma forma maior de arte literária - só comparável a Machado de Assis". E falando do processo exterior da criação de Rubem, assim se expressava Claudio Abramo: - "Eu o via sentado à sua máquina, olhando pela janela, pensando e depois batendo os dedos na máquina. E daquela operação simples e franca, daquela relação honesta entre o autor e papel na máquina, se estabelecia a ligação sublimada do escritor com o leitor".

Um que não poupava a ninguém, a Rubem poupou. Samuel Wainer, o grande jornalista para alguns, o grande outra coisa para outros, rendeu-se ao Velho Braga, com quem fundara o "Diretrizes" nas suas memórias póstumas. Sobrou lama para todos, menos para Rubem.

Que bom que ele agora volta para casa. Suas cinzas repousarão na cidade que ele amou, talvez mais do que um pai ame seu filho.

Pessoalmente, me ficará a lembrança de vê-lo, tal como criança, com um sorvete de frutas e uma pazinha na mão, ali no Ponto de Encontre, aonde, antigamente, mas não tão antigamente, era a Sorveteria "Sem Nome"; quem sabe se lembrando das inúmeras frutas do seu quintal de infância. Dos cajus, da fruta-pão, da romã, das carambolas e das mangas soberbas da chácara do Dr. Mesquita, defendidas por imensos cachorros. Ali entendi o porquê das pessoas nunca perderem a sua origem.

Ficarão também os quatro mil livros que ele doou, nos últimos anos, para a Biblioteca da Maçonaria. Ali onde, ele e Newton, aprenderam as primeiras letras e se renderam aos encantos da literatura.

Pode vir Velho Braga, seus amigos te esperam.

Sua herança é grande. Seus quase vinte livros autorais - quase todos crônicas - é a melhor que seus amigos e a cidade poderiam ter.

Poucos e poucos terão tido essa honra. Uma herança que vive.

 

BONDE DA CULTURA

No início da década de 2000, quando Secretário de Cultura e Turismo do Governo Ferraço, instituímos projeto cultural chamado Bonde da Cultura, que tinha como objetivo a utilização de ônibus doado pela Flecha Branca. Com dois tours diários, média de 40 alunos por tour, o ônibus visitava a Casa dos Braga, Fábrica de Pios, Teatro Rubem Braga, Bernardino Monteiro, etc.

Milhares de jovens estudantes cachoeirenses aproveitaram. A autoestima da cidade também. Pretendia, mas não tive tempo, levar mais entidades, como o pessoal da melhor idade, dos asilos e de outras entidades.

A primeira ideia do ônibus partiu da Luciá Sampaio, que o queria para visitas de estudantes especificamente ao nosso Teatro.

Lendo livro de Antonio Palocci, que fora prefeito de Ribeirão Preto, complementei a ideia. Entendera, como Palocci, que só gosta de sua cidade aquele que a conhece. Esse espírito norteou o projeto: o cachoeirense precisava conhecer sua cidade para valorizá-la muito mais.

O trecho em que me inspirei, do livro do Dr. Palocci, é este: "Também merece destaque um programa simples de turismo local, criado para estimular os moradores a redescobrir sua cidade com base em seus pontos turísticos e culturais. O passeio é realizado em um ônibus da empresa municipal e é acompanhado por monitores da Secretaria Municipal de Cultura. Como boa parte da população ainda não conhece todos esses locais, o programa tem obtido ótimos resultados".

Pelo custo/benefício foi o projeto mais barato da "minha" secretaria; milhares de estudantes utilizaram efetivamente o projeto, acompanhado de funcionários públicos competentes e conheceram melhor a cultura de Cachoeiro.

Em governo municipal posterior, o projeto retornou por 10 meses, atendendo cerca de 10 mil pessoas. Por falta de compromisso público, foi enterrado. Agora, 2023, disseram-me que voltou, mas ainda não tenho informações concretas e nem de seu tamanho e abrangência.

O livro de Antonio Palocci, ex-prefeito de Ribeirão Preto, ao qual me refiro, precioso para quem quer ser autoridade municipal, principalmente Prefeito, é o "A Reforma do Estado e os Municípios (A Experiência de Ribeirão Preto)", de 1998, ano em que o adquiri e o tenho na estante desde então.

Posso emprestá-lo a algum futuro candidato a prefeito de Cachoeiro, no qual eu confie (não necessariamente preciso votar nele, para fazer o empréstimo).

Minha esperança e expectativa é de que esse projeto retorne definitivamente a Cachoeiro com altíssima ressonância nas escolas, professores e estudantes.

 

GREGUERÍAS

(Frases de Ramon Gomes de la Serna, escritor espanhol, retiradas do seu livro... GREGUERÍAS)

- Queremos ser de pedra e somos de gelatina.

- O bom escritor não sabe nunca se sabe escrever.

- Quem está em Veneza se engana acreditando estar em Veneza. Quem sonha com Veneza é que está em Veneza.

- Quando a flor perde a primeira pétala, já está perdida por inteiro!

- O córrego traz ao vale o lamento das montanhas.

- O pior da ambição é não saber bem o que se quer.

- As cinzas de cigarro que restam nas páginas dos livros velhos são a melhor imagem do que ficou da vida de quem os leu.

- Sorte extraordinária é a daquela coluna que ficou em pé em meio à ruina dos séculos.

- Alguns armários são como confessionários, sabem de todas as meias furadas que temos.

- "Agonia": palavra muito curta que às vezes é muito comprida.

- O mar é tão violento nas orlas porque reivindica que a terra lhe devolva o que lhe roubou.

- O relógio parado tem o orgulho de assinalar duas vezes ao dia a hora em que está.

- O prazer das velhas é quando dizem: "Volta-se a usar".

- Antes o anfitrião colocava os óculos para ver os tipos de vinhos; agora os põe para ver o preço.

- Se a honra perde o seu agá, está perdida.

- Quando o martelo perde a cabeça, os pregos riem.

- O elevador está cheio de seriedade.

- A única coisa que guarda um segredo é a cinza.

- Levou tão a sério isso de "afogar as mágoas" que se atirou no rio.

- Uma coisa terrível no atropelamento é o grito que o freio dá enquanto emudece a vítima.

- A pressa é irmã de esquecer as chaves.

- O problema do vento é que ele não tem pente.

- A pulga tem a melhor de todas as molas.

- Na vida até os imperdíveis se perdem.

- Nunca é amanhã, sempre é hoje.

- A viagem mais barata é a do dedo sobre o mapa.

- O espelho não só nos duplica; o espelho nos julga.

- O problema do primeiro cabelo branco é que os outros se contagiam.

- Os postes da cidade estão muito ofendidos com os cachorros. Eu sei porquê!


Higner Mansur Advogado, guardião da cultura cachoeirense e, atamente, vereador

Comentários