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Um retrato da violência contra a mulher


- Foto: Reprodução Web

Eu queria muito um dia chegar a escrever sobre como nossa cidade é um exemplo para o resto do país no quesito não violência contra a mulher, e de como esse exemplo vem de cima, de autoridades que, para além do discurso, fazem o dever de casa. Não que isso seja alguma coisa de outro mundo, a não ser a obrigação de cada um. Mas é a velha história de chegarmos a 2022 debatendo o óbvio e aplaudindo o mínimo. Respeito e igualdade não têm que ser pauta, mas parece infinito o caminho que ainda temos que percorrer. E distante minha vontade de escrever sobre como viver em Cachoeiro é bom.

A sensação é de cansaço. Não dá mais para acordar e ir trabalhar e voltar para casa sem a necessidade de militar. Não porque eu quero, mas porque é preciso. Nesses tempos em que um morador de rua que estupra e expõe uma mulher vira celebridade e vai morar em uma cobertura, em que goleiro de futebol mata a mãe do próprio filho e recebe cartas de amor, e que o abusivo que trai e humilha vira campeão de reality, paramos para refletir no que estamos fazendo afinal.

Na semana que antecedeu o dia internacional da mulher tivemos colocações infelizes de políticos de projeção nacional, um deputado estadual de São Paulo e um federal do Espírito Santo, que foram muitas e muitas vezes compartilhadas, ironizadas e apoiadas por homens e, pasmem, mulheres. Essa semana ganha projeção o caso do vereador do PL do Rio de Janeiro com menores e de um técnico de futebol que agrediu uma auxiliar de arbitragem. E tem gente passando pano e apoiando e fazendo piada. Que país é esse, minha gente? No caso do vereador, ele foi expulso da polícia militar por ameaçar moradores de um bairro exigindo serviço "consignado de segurança", e como "punição" virou celebridade e político. Ele, que aparece em vídeo com menores e possui mais uma série de acusações, sequer já foi retirado dos quadros do partido ou cassado na câmara. Seguimos esperando que aconteça. E, quando acontecer, que sirva de exemplo para todos os detentores de mandato desse país que estruturalmente é machista, racista, xenofóbico e cruel. O preconceito na sua forma mais perversa está se alastrando e parece que tá tudo bem. Todos estão surdos para que o próprio umbigo seja preservado.

Não é a primeira vez que peço e escrevo sobre isso, mas preciso falar porque silêncio e omissão não serão os meus pecados nessa luta. Nenhuma morte chega antes de outras formas de violência. E cada pessoa, homem ou mulher, que aceita e compartilha piada machista, que ri de comentários cheios de preconceito, que ataca e agride mulheres, que não chama a atenção do colega abusivo, está também com as mãos sujas de sangue. A morte de cada uma de nós começa por aí. É necessário denunciar, ser solidário, comprar briga, apontar e exigir que sejamos ouvidas e valorizadas.

A pior frase que um ser humano pode dizer é que "antigamente não era assim", "hoje em dia não pode nada", "agora tudo é mimimi". Difícil lidar com gente tão limitada. As coisas mudaram, e que bom que isso aconteceu. O nome desse processo é EVOLUÇÃO. Quando você aprende que alguma coisa ofende e agride, você precisa aprender também a não falar e não fazer mais. E, se você acredita mesmo que o mundo tá chato porque estamos avançando o debate, te digo que você é um muro velho, inútil e ultrapassado no caminho do progresso da humanidade.


Paula Garruth Colunista

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