É tempo de barbárie - Jornal Fato
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É tempo de barbárie

As entrelinhas do caso do ciclista morto em Cachoeiro


- Foto Divulgação

Não sou dessas pessoas que têm sexto sentido, como dizem por aí. Pessoalmente, muitas vezes para que eu entenda é preciso que digam com todas as letras. Já profissionalmente, como jornalista, é comum perceber as entrelinhas, aquilo que não é dito, o que se pretende esconder.

Mas nunca, nos últimos tempos isso foi tão nítido quanto recentemente, quando mandei mensagem para um número que divulgaram para notícias sobre o ciclista desaparecido, que me dei conta já ter me atendido na loja em que trabalhava bem depois do caso desvendado.

Mandei mensagem perguntando se já tinha aparecido, se tinham notícias e nada. Insisti, perguntei qual o grau de parentesco do dono(a) do celular e a pessoa respondeu que era filho. E se calou definitivamente. No outro dia voltei a perguntar, falei que nosso objetivo era ajudar, e novamente o silêncio como resposta. Comentei com um amigo que tinha algo muito estranho nesse caso.

Pela minha experiência, quando isso acontece, a família está aflita, dá todas as informações, até a que você não pensou em perguntar e te garante uma matéria que é bastante esclarecedora e dá dicas importantes sobre o desaparecido (a). Ou então responde educadamente que está muito abalada, pede desculpas, agradece o apoio e promete voltar a conversar.

Não foi o que aconteceu desta vez. E o meu instinto deu um sinal de alerta, mas jamais imaginaria uma situação tão horrenda. Tão inacreditável. Tão surreal. A cada dia aparecem fatos novos que provam a premeditação do crime, motivada por interesses patrimoniais. Isso mostra os valores que têm norteado as pessoas movidas pela cultura do ódio, em que se as pessoas são usadas e as coisas são amadas. Total inversão de valores.

Não consigo conceber tanta frieza e maldade em duas pessoas tão jovens, que são de famílias que ofereceram educação e amor. Certamente o melhor que podiam. O casal escolheu esse filho.

Penso na falta que o meu pai me faz. Do que seria capaz de fazer para tê-lo entre nós. Sei que meus irmãos também fariam o que fosse possível para continuar ouvindo suas histórias e sua risada gostosa, e até seu silêncio solene nos momentos mais difíceis da vida, quando apenas sua presença era porto mais que seguro.

Eu não sou pessoa de religiosidade. Não mais. Mas sou pessoa de fé que continua acreditando que devemos amar ao próximo como a nós mesmos. O que nos fazem não pode mudar nossa essência. Afinal de contas, não é sobre os outros. É sobre nós e sobre as escolhas que fizemos. Não é sobre poder e dinheiro. É sobre amor que excede a todo o entendimento. Que Deus tenha misericórdia desta sociedade tão doente.


Anete Lacerda Jornalista

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